A coordenadora do futebol feminino do Cruzeiro, Bárbara Fonseca, comentou a repercussão da carta publicada pelas jogadoras sobre a insatisfação com os salários atrasados. Ela só tomou conhecimento do comunicado por meio das redes sociais, porém considerou legítimo o protesto de reivindicação das remunerações pendentes.
De acordo com Bárbara (assista ao vídeo abaixo), o clube quitou uma folha salarial na sexta-feira, 8 de outubro, antevéspera do clássico contra o Atlético, pela terceira rodada do Campeonato Mineiro. A Raposa venceu por 3 a 0, com dois gols de Duda e um de Carol Soares.
“Há uma insatisfação do clube como um todo, mas todos entendem o momento do Cruzeiro. Claro que chega um momento em que a situação fica mais complicada, mas todas se unem e buscam alternativas. Essas alternativas têm dado resultado. Como foi no caso que antecedeu o clássico contra o Atlético: as atletas estavam inteirando a terceira folha, e o Cruzeiro fez esforços e apresentou o salário às atletas”.
Na opinião da coordenadora, a diretoria poderia estar mais presente junto ao elenco feminino, sobretudo por se tratar de um momento de dificuldades financeiras. Após a divulgação da carta nas redes sociais, o vice-presidente administrativo, Edson Potsch, conversou com as jogadoras.
“Entendo a distância. Não é que me incomoda, mas acho que a diretoria poderia estar mais presente. Entendo o momento caótico que o Cruzeiro vive. Como as demandas vão surgindo em caráter emergencial e a diretoria sempre tem que estar pronta para resolver, nunca foi problema para mim a diretoria não estar presente. Só que nesse momento ruim seria importante que a diretoria se aproximasse - e isso foi feito, pois recebemos a visita do Edinho”.
Bárbara revelou ainda que as atletas cogitaram paralisar as atividades, tal como foi feito nos times principal e sub-20 do masculino. No entanto, a coordenadora convenceu o grupo a continuar comparecendo aos treinos e jogos. Uma semana depois de bater o Atlético por 3 a 0, o Cruzeiro goleou o Funorte por 9 a 0, neste domingo, na Arena Vera Cruz, em Betim, pela quarta rodada do estadual.
“Elas me convocaram para uma conversa na última semana. Queriam ser solidárias ao momento que o futebol masculino fez, mas de uma maneira diferente. Expliquei que estrategicamente não seria interessante a gente largar agora em uma paralisação nos treinos ou W.O. nos jogos. Conversei por muito tempo com as atletas sobre estar ao lado delas”, disse.
“Na semana que antecedeu o clássico, as atletas não queriam vir para o jogo. Pedi a elas que viessem para o jogo contra o Atlético. Na semana seguinte, se o Cruzeiro não desse retorno quanto ao salário, me comprometi que estaria com elas. A conversa foi nesse sentido”, complementou.
Tudo indica que nesta semana o Cruzeiro deve contar com o auxílio de empresários para quitar parte das pendências salariais com atletas e funcionários das Tocas da Raposa I e II. Em meio às adversidades, Bárbara Fonseca garante que deseja seguir no clube para montar um projeto que envolve a montagem de um time estruturado em todas as áreas em 2022.
“Vou continuar no Cruzeiro até que o Cruzeiro permita, pois não sabemos o dia de amanhã. Mas só largaria em um momento melhor do Cruzeiro. Creio que sou importante para a continuidade do nosso projeto e para elevar o nome do Cruzeiro”.
Para ela, a “camisa pesada” do Cruzeiro e a transformação em Sociedade Anônima do Futebol podem ser benéficas ao futebol feminino. “As dificuldades existem, mas unindo um trabalho certo e torcendo para que o clube-empresa de fato seja implementado, vamos montar uma equipe competitiva, ainda que seja um pouco mais atrasado”.
O Cruzeiro se manteve na Série A1 do Campeonato Brasileiro Feminino ao finalizar a primeira fase em 11º, com 15 pontos em 15 rodadas - quatro vitórias, três empates e oito derrotas. Já no Mineiro, o time é líder isolado, com quatro vitórias em quatro rodadas, totalizando 12 pontos.
Pronunciamento de Bárbara Fonseca, coordenadora do futebol feminino do Cruzeiro:
Manifestação das jogadoras:
“A gente está vivendo alguns processos nas últimas semanas. Houve sim uma manifestação das atletas na semana que antecedeu o clássico contra o Atlético, muito em função dessa dificuldade financeira que o Cruzeiro vive, é notória a questão dos atrasos salariais. Foi o primeiro momento que eu intervi. Obviamente não fiz isso da minha cabeça, fui orientada pela diretoria, que vem tentando resolver esses problemas diversos. Mas sempre tem um retorno da diretoria nesse sentido, que está buscando uma melhor condição para resolver esses questionamentos”.
“Na segunda semana, as atletas me convocaram para uma roda de conversa na qual ficou acordado que elas queriam a presença da diretoria para uma conversa para que os problemas fossem levados diretamente a alguém da diretoria. Assim ficou combinado, que elas fariam o jogo deste fim de semana e esperariam uma posição da diretoria”.
Carta sobre salários atrasados:
“Sobre a carta, eu não sabia. Achei legítima a carta, é um momento delas mostrarem que estão insatisfeitas, o problema do Cruzeiro é crítico, todos conhecem. Não conhecia a carta, não participei do processo, mas achei justas algumas reivindicações”.
“A carta é muito extensa. Se eu compartilho todas as reclamações que estão lá, fica um pouco complexo, até porque eu teria que lembrar de todas as reclamações que estão na carta”.
“Dos pontos que eu me recordo, a questão salarial é uma insatisfação do clube como um todo, mas todos entendem o momento do Cruzeiro. Claro que chega um momento em que a situação fica mais complicada, mas todas se unem e buscam alternativas. Essas alternativas têm dado resultado. Como foi no caso que antecedeu o clássico contra o Atlético: as atletas estavam inteirando a terceira folha, e o Cruzeiro fez esforços e pagou o salário na sexta-feira, dando-nos tranquilidade para jogar o clássico”.
“Distância” da diretoria
“Entendo a distância. Não é que me incomoda, mas acho que a diretoria poderia estar mais presente. Entendo o momento caótico que o Cruzeiro vive. Como as demandas vão surgindo em caráter emergencial e a diretoria sempre tem que estar pronta para resolver, nunca foi problema para mim a diretoria não estar presente. Só que nesse momento ruim seria importante que a diretoria se aproximasse - e isso foi feito, pois recebemos a visita do Edinho”.
“Não chega a ser uma insatisfação, mas foi uma questão que eu sempre tratei com elas. Sinto-me até um pouco prestigiada de confiarem no meu trabalho, de quem está aqui na ponta, mas nesse momento caótico foi importante a aproximação da diretoria, que aconteceu”.
Pedido ao grupo para seguir treinando e jogando
“As atletas me convocaram para uma conversa na última semana. Queriam ser solidárias ao momento que o futebol masculino fez, mas de uma maneira diferente. Expliquei que estrategicamente não era interessante a gente largar agora - ou seja, uma paralisação nos treinos ou W.O. nos jogos”.
Conversei com as atletas também sobre estar ao lado delas. Só para contextualizar, na semana que antecedeu o clássico, as atletas não queriam vir para o jogo. Eu prometi a elas que estaria com elas se a decisão da semana seguinte fosse de fato não vir ao jogo, mas não aceitava, por uma questão de rivalidade, de tabela, que elas não viessem ao jogo contra o Atlético.
Pedi a elas que viessem ao jogo contra o Atlético, independentemente de cair salário ou não. Minha promessa foi que, na semana seguinte, caso o Cruzeiro não desse um retorno dos salários, me comprometeria de estar ao lado delas. Se fizessem greve durante a semana para não ir aos treinos ou ao jogo, com um possível W.O., estaria com elas”.
Grande desafio na carreira
“Sou muito franca. Uma das minhas características é sempre tratar as coisas com muita verdade. Falei com elas que entendia a situação e também estava insatisfeita, mas por amor ao clube e pela minha personalidade de não desistir das coisas, não conseguia largar mão. Queria que elas prometessem para mim que seria uma aliança formada naquele momento de que a gente iria até o final e entregar esse título ao Cruzeiro. Depois, cada um poderia procurar o seu destino se entendessem que não é importante seguir a carreira delas no Cruzeiro”.
“Isso pode ter gerado algum ruído que eu estaria insatisfeita a ponto de sair do Cruzeiro. Mas, repito: tenho uma personalidade competitiva, gosto de desafios e enfrento esse momento no Cruzeiro como grande desafio. Vou continuar no Cruzeiro até que o Cruzeiro permita, pois não sabemos o dia de amanhã, ou que outra situação aconteça na minha vida. Mas só largaria em um momento melhor do Cruzeiro, e não nesse momento de crise. Acredito que sou importante para a continuidade do projeto e para elevar o nome do Cruzeiro”.
Planejamento do time
“A gente vive um momento de expectativa para de fato acontecer o clube-empresa dentro da estrutura do Cruzeiro. Sabe-se que quando acontecer isso, a situação do Cruzeiro melhora muito. Claro que esse momento que a gente vive, dificulta muito as renovações de contratos e a busca de atletas no mercado. Mas temos duas situações que posso citar: o prestígio da comissão e o nome do Cruzeiro”.
“Em que pese acontecer as dificuldades financeiras de ainda não conseguir competir em orçamento com clubes de São Paulo, o Cruzeiro tem uma camisa pesada, e isso nos fortalece. As dificuldades existem, mas unindo um trabalho sério e torcendo para que o clube-empresa de fato seja implementado no Cruzeiro, conseguiremos montar uma equipe competitiva, mesmo sendo atemporal e atrasado”.
“Mostramos em 2019, quando o Cruzeiro foi a última equipe a montar elenco, conseguimos fazer uma equipe a um mês de começar a competição, que chegou à final e conseguiu êxito. Subiu à primeira divisão logo no primeiro ano. Encaro de novo como um desafio, e a gente não poupará esforços para montar um time competitivo. Assim que possível, vamos ao mercado com um planejamento concreto e com certeza buscaremos uma equipe forte para representar o Cruzeiro. Não pode ser diferente disso”.
Orçamento e elenco
“São coisas distintas. A implementação da SAF vai dizer muito do orçamento e quanto teremos para trabalhar ano que vem. Estamos atrasados para ir ao mercado fazer renovações e fechar contratações por causa dessa questão. O orçamento vai dizer muito sobre como vamos conseguir trabalhar ano que vem. Mas há um interesse pela permanência da comissão técnica e de busca por profissionais para dar uma potencializada. Queremos uma nutricionista própria, uma psicóloga própria, uma robustez à nossa comissão técnica.
“Em relação às atletas, ainda estou com o Rodrigo em um processo de entender qual tipo de equipe a gente vai ter no ano que vem dentro da metodologia de trabalho, porque ele chega e a equipe já está formada. Então ele até está ansioso nesse sentido, querendo conversar sobre renovações e contratações, e eu estou pedindo um pouco de paciência. Devido a esse momento que o Cruzeiro vive, por a gente não entender o orçamento para o ano que vem, é preciso ter um pouco de paciência. No que se refere à comissão, há o interesse do Cruzeiro pela permanência de todos eles”.
Saídas de jogadoras
“O que tive conhecimento através de uma matéria foi do interesse do Atlético na nossa fisioterapeuta, Camila. Sobre atletas, tenho conhecimento através do que a imprensa tem divulgado. Parece que o Atlético procurou a Duda, a Vanessa, a Eskerdinha, a Janaína. Tenho conhecimento do Internacional ter procurado algumas atletas também. Não posso afirmar se elas ficam, mas o Cruzeiro não recebeu nenhuma formalização de pré-contrato. Não posso dizer que há atletas se comprometendo com outras equipes”.
Carta das jogadoras do Cruzeiro publicada em 15 de outubro:
Em razão do não pronunciamento da diretoria celeste a nós, jogadoras profissionais da modalidade de futebol feminino do Cruzeiro Esporte Clube, viemos por meio desta carta aberta à Nação Azul também comunicar de forma oficial o nosso descontentamento, destacar a crise por nós vivida no clube, e informar a decisão tomada em comum acordo pelo elenco:
Confessamos que não é de hoje que percebemos a indiferença e a falta de interesse por parte da diretoria do Cruzeiro em serem ativos no que diz respeito à modalidade feminina de futebol. Por esse motivo, após a repercussão e visibilidade que tomou a greve anunciada pelos atletas do profissional masculino, estamos aqui para pedir voz e alcançarmos também os nossos direitos como atletas profissionais e colaboradoras da instituição.
É frustrante para a gente ver que tantas pessoas nos apoiam e querem nos acompanhar quando conseguimos, por méritos próprios e trabalho árduo, chegar a uma final de campeonato. Porém, estas mesmas pessoas se fazem ausentes em tudo que diz respeito ao nosso dia a dia e necessidades ao decorrer da temporada.
A preocupação sempre foi atender ao elenco profissional masculino, aliás este sim acompanhado diariamente por vários dirigentes que não só prestigiam os treinamentos e a evolução individual dos atletas, como buscam solucionar sempre problemas e contratempos que os impeçam de sofrer qualquer desgaste. Contudo, neste ato ressaltamos que nós, as Cabulosas, não só passamos por todas as dificuldades financeiras impostas pela delicada situação do clube, como pelo desinteresse geral da diretoria com a modalidade, que nunca sequer teve um membro representante visitando nosso centro de treinamento de 2021, em Betim, além de desconhecerem as condições de estrutura que nos é oferecida.
Salientamos que o nosso descontentamento não é questão estrutural, já que graças à diretoria responsável pelo departamento sempre nos foi oferecido o melhor. Mas sim ao tratamento diferenciado que a gestão atual do clube dá à modalidade feminina. Apesar de sermos vistas como “profissionais’ pela Confederação Brasileira de Futebol, sentimos que não somos levadas à sério, nem valorizadas nas devidas proporções.
Infelizmente, ficou intolerável e injustificável a forma como estamos sendo geridas, e queremos não só respeito, como um olhar sem preconceitos no intuito de enxergar que o futebol também pode ser praticado por mulheres.
Não basta nos acompanhar e falar que estão do nosso lado apenas quando ganhamos um título importante para o futebol feminino. Queremos respeito diário!
Por isso, informamos que a presente carta se faz necessária não só em apoio aos nossos colegas na paralisação do futebol profissional masculino em prol dos atrasos salariais, como também para salientar nossa insatisfação pela absoluta ausência de um efetivo posicionamento direcionado ao nosso departamento.
Então, assim como foi de preocupação e emprenho da diretoria se reunir com o elenco profissional masculino, solicitamos a presença dos mesmos também em nosso centro de treinamentos. Não aceitaremos mais essa negligência conosco.
Visto isso, Informamos à gestão do Cruzeiro Esporte clube que cumpriremos nossos compromissos do final de semana no Campeonato Mineiro Feminino, e a partir de disso aguardaremos o cumprimento das obrigações no prazo mais breve possível, paralisando os trabalhos caso não haja retorno.
Reiteramos que, como profissionais, é o nosso objetivo sempre servir essa instituição. Por isso, é com muito suor e dedicação que, apesar da situação, até o momento, viemos trabalhando firmes e nos dedicando a honrar a camisa que vestimos. Não é à toa que somos líderes invictas do Mineiro, com vitória sobre o rival e classificação antecipada. Porém, ficou insustentável o não reconhecimento de tamanha dedicação.