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Quem é a indígena que treina em praça e sonha com os Jogos Olímpicos

Mirelle Leite, 21, é bicampeã sul-americana sub-23 nos 3 mil metros com obstáculos e busca vaga nos Jogos Olímpicos

postado em 26/06/2023 06:00 / atualizado em 25/06/2023 22:02

(Foto: Divulgação/Neoenergia)
 
Aos 21 anos, Mirelle Leite é bicampeã sul-americana sub-23 dos 3.000 metros com obstáculos. De volta da Europa, onde passou 30 dias em competições, ela se prepara para a disputa do Troféu Brasil, que acontece entre os dias 7, 8 e 9 de julho. Esta temporada tem sido a mais importante na carreira da atleta da etnia Xukuru, que busca ser a primeira indígena a disputar os Jogos Olímpicos.
 
A velocista disputou os meetings de Andújar e Huelva, na Espanha, e de Nice, na França, entre maio e junho. Apesar de não ter feito as melhores marcas, ela alcançou um novo patamar na carreira. Isso porque desde o início deste ano ganhou patrocínio para seguir na carreira. 
 

Natural de Pesqueira, no Pernambuco, Mirelle ainda treina em sua cidade natal na maior parte do tempo. A estrutura esportiva do município - de quase 70 mil habitantes - é limitada, e não existem pistas profissionais de atletismo. Por isso ela improvisa como pode no dia a dia. 

- Treino numa praça perto de casa. Eu uso os bancos e as mesas de concreto como obstáculos. Treinava e ainda treino na rua - contou Mirelle em entrevista ao Superesportes
 

Para se preparar para as competições, ela ainda percorre 200km para treinar na pista profissional que fica em Recife, capital do estado, hoje ele tem apoio da Secretaria do Esporte e patrocínio de uma empresa do setor energético

- Com o tempo ficou mais fácil. Não vou dizer que as coisas são fáceis agora, mas eu já passei muita necessidade junto com a minha família. Só sei que tudo isso me ensinou a dar muito valor para esse esporte. 
 
(Foto: Divulgação/Neoenergia)

Gravidez na adolescência e faxina para se manter


Mirelle se interessou pela corrida na infância, aos 11 anos, pouco tempo depois da morte do pai. Ao contrário de muitos atletas que ingressam no esporte apenas pelo sonho de competir, ela seguiu esse caminho pela necessidade de ajudar financeiramente a família.

-  Quando perdi o meu pai, ficamos sem uma renda importante. Eu ainda era pequena, e nós passamos por várias dificuldades. Tive que buscar uma alternativa para poder ajudar em casa. Encontrei no esporte uma fonte de renda. Via as meninas da escola competindo em corridas de rua e ganhando algum dinheiro. Fui participar e consegui ajudar em casa. Nas corridas, ganhava um trocado e levava para a minha mãe - revelou. 

A situação se estendeu por algum tempo, principalmente pela questão do desemprego. A mãe de Mirelle passou alguns anos à procura de algo fixo, enquanto a filha mergulhava no esporte. Nos anos seguintes, ela teve oportunidade em um clube de Recife e iniciou uma nova etapa um pouco mais profissional. Foi assim, pouco a pouco, que ela se apaixonou pelo atletismo, mas a trajetória precisou ser interrompida aos 14 anos. 

- Eles (o clube) me ajudavam a ir para as corridas, mas só com uma parte (dos valores). Eu tinha que fazer rifas e pedir ajuda nas redes sociais. Conseguia competir, mas as coisas mudaram quando eu engravidei. 
 

Desde a primeira vez em que segurou Lucas Gabriel nos braços, Mirelle entendeu a responsabilidade que teria a partir dali. Mesmo com dificuldade financeira, ela encontrou no filho a motivação para continuar correndo. 

- Precisei parar tudo, pensei que a minha carreira ia acabar antes de ser uma realidade. Mas é incrível como a maternidade transforma a vida. Comecei a fazer faxina e aproveitava quando ele estava dormindo para treinar. Trabalhava durante o dia e, quando voltava, cuidava do meu filho e ainda ia treinar à noite. Era bem cansativo, mas era para seguir meu sonho. As coisas foram se ajeitando, sabe? Não sei como consegui passar pela fase dele bebê e treinar, mas deu certo - relembrou. 
 

Primeira indígena nos Jogos Olímpicos 

A fundista pernambucana está focada no objetivo de ser a primeira indígena a disputar os Jogos Olímpicos. A partir do mês de julho começa o período classificatório para Paris 2024.
 
O ciclo olímpico será menor do que o usual, por conta da pandemia de covid.

- Eu tenho muita consciência de que não vai ser fácil, mas essa é a minha meta. Vou agarrar com todas as minhas forças. Nunca nada foi fácil na minha vida, então não vai ser fácil também ser a primeira brasileira indígena a representar o país em Jogos. Só sei que vou lutar muito para isso.