Há 30 anos, o Celtic, da Escócia, disputava uma das partidas mais importantes de sua história. E tinha o Cruzeiro como adversário. Em 7 de agosto de 1988, as equipes se enfrentavam em um amistoso comemorativo pelo centenário do clube escocês (fundado oficialmente em 6 de novembro de 1888), na cidade de Glasgow, no estádio Celtic Park. A Raposa acabou perdendo por 4 a 2, mas o jogo ficou marcado na memória de quem participou do evento. O Superesportes foi atrás dos detalhes daquele confronto (veja os gols do Celtic abaixo, extraídos do documentário "The Official History of Celtic Football Club").
Contexto
O Cruzeiro, convidado para a partida comemorativa, tinha acabado de ser vice-campeão da Supercopa da Libertadores (perdeu para o Racing) e do Campeonato Mineiro de 1988 (o Atlético conquistou o título). O time passaria por um recesso até o começo do Campeonato Brasileiro, no início de setembro daquele ano. Entretanto, embarcou em uma excursão à Europa, algo muito comum para os brasileiros até os anos 2000. O goleiro da partida contra o Celtic, Wellington Fajardo, relembrou a viagem.
"Em 1988 tínhamos um grupo menor e disputamos duas competições, Mineiro e Supercopa, até agosto. Fomos à final da Supercopa e foi surpreendente, infelizmente não conseguimos o título. Logo em seguida, também perdemos o Mineiro. Na verdade, foram muitos jogos para um plantel reduzido e foi um feito muito grande, pois tínhamos o Carlos Alberto Silva como técnico, que nos ajudou muito na temporada. Ele era a grande estrela daquele time. Assim que terminou o Mineiro, fomos para a excursão e o time foi comandado pelo Antônio Lacerda, pois o Carlos Alberto era do Cruzeiro e da Seleção Brasileira e estava disputando a Olimpíada de Seul. Tanto que o Careca e o Ademir chegaram na excursão a partir desse jogo com o Celtic", disse o ex-goleiro, que treinou o Patrocinense no Campeonato Mineiro.
Chegada ao Celtic Park
O Cruzeiro começou a excursão com um torneio amistoso na Suíça, no qual enfrentou Everton, da Inglaterra, e Young Boys, da Suíça (perdeu os dois jogos por 2 a 1). Até que o time desembarcou em Glasgow, para a partida de centenário do Celtic. O ex-lateral-direito Balu relembrou a chegada ao estádio dos anfitriões, o Celtic Park.
"Chegamos ao estádio e nós, brasileiros, estávamos bem à vontade, pois fazia calor. A gente estava de bermuda, uniforme do Cruzeiro, e o time do Celtic chegou todo de terno, com muito estilo. Foi marcante aquilo, os caras de gravata e a gente de bermuda e chinelo, mas com muito respeito com aquele momento", relembrou.
Wellington Fajardo também relatou a experiência de entrar em um estádio luxuoso para a época. Segundo ele, todos sabiam que o jogo era histórico para o rival. "Nós chegamos no estádio, aí eu e o Genílson fomos ver o campo. Tudo era muito bonito. Os jogadores do Celtic de terno, tinha elevador para irmos aos vestiários… Quando fomos para o campo, ia começar a partida e estava um silêncio muito grande. Quando entramos no estádio, nos assustamos porque tinha cerca de 40 mil pessoas aplaudindo todos os jogadores, do Celtic e do Cruzeiro. Todo mundo de verde e branco".
O jogo
Imagens de Celtic x Cruzeiro e repercussão dos jornais escoceses
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O Celtic se preparava para o início da temporada 1988/1989 e vinha de duas conquistas nacionais: o Campeonato Escocês e a Copa da Escócia. Os britânicos receberam os cruzeirenses com medalhas, flâmulas, taças de vidro e aplausos. Entretanto, na partida, não houve clima de amistoso, como conta o ex-lateral-esquerdo Genilson.
"Achei interessante a torcida deles, todos com a camisa verde e branca. Achei muito bonita aquela festa, estádio lotado. Eles distribuíram as flâmulas e outras lembranças, umas medalhas e até uma taça, foi bem legal. Foi um jogo muito importante, muito truncado, e lembro que o goleiro deles pegou o Careca de jeito e tirou ele de campo. Ele estava jogando muito naquela época", observou.
O ex-meio-campista Édson Souza endossou a impressão de Genilson e garantiu que a partida foi dura. "Os caras do Celtic eram enormes, eram todos uns armários. Naquele jogo, lembro que eu toquei a bola e um cara rasgou minha canela toda, meu meião, aí foi engraçado pois o juiz não deu nada. Fiquei correndo atrás do jogador e o árbitro rindo, mas esse era o jogo deles. Fiquei com a meia toda rasgada e com canela latejando. Mas foi bem legal".
O goleiro Wellington Fajardo sofreu os quatro gols do Celtic, sendo três do atacante Andy Walker. Segundo o ex-camisa 1, o resultado de 4 a 2 não retrata o que foi a partida, pois o Cruzeiro fez um jogo equilibrado em Glasgow.
"A gente estava bem no jogo, foi pau a pau. Eles tiraram o Careca com um minuto de jogo e ele teve que vir para o Brasil, machucou feio (levou quatro pontos na canela). Alguém do Celtic levou o Careca para o aeroporto, aí fez as conexões todas e ele voltou sozinho para o Brasil, não dando sequência na excursão. Quem entrou no lugar dele naquele jogo foi o Fabiano Soares, hoje treinador (ex-Atlético-PR). O placar não retratou o que foi o jogo, foi um jogo muito disputado. Nós fomos surpreendidos, pois eles já tinham uma noção tática. O goleiro já jogava com os pés bem adiantado, era um time muito alto e eles faziam aqueles lançamentos longos certeiros", lembra Fajardo.
Além dos três gols de Walker, McAvennie marcou para os mandantes. O atacante Hamilton marcou os dois tentos cruzeirenses, ambos de pênalti. A partida valeu um troféu. A taça levantada pelo Celtic está guardada no memorial do clube, logo na entrada do Celtic Park.
O Celtic é um dos maiores clubes da Escócia e um dos mais tradicionais da Europa, tendo conquistado uma vez a Liga dos Campeões da Uefa, em 1967. Os jornais escoceses noticiavam a possibilidade de equipes como Real Madrid e Inter de Milão serem convidadas para a partida. O amistoso com o Cruzeiro foi uma surpresa para a torcida local.
Os jogadores do Cruzeiro daquela época não sabem o motivo específico que levou o Celtic a fazer o convite ao clube para o jogo do centenário. O time cruzeirense viveu um período de "vacas magras" nos anos 1980. Wellington suspeita que o chamado tenha vindo por uma boa impressão causada em outra excursão à Europa.
"Nós tínhamos ido em 1986 para a Europa, com Jair Bala de treinador. Foi quando eu fui contratado. Era muito normal ir a esses 'Torneios de Verão' da Europa nas décadas de 1970 e 1980, e fazia tempo que o Cruzeiro não ia. Em 1986, comigo já no time, o Cruzeiro foi e jogamos contra o Barcelona até, em um jogo muito bom. Nas nossas últimas partidas na excursão, vencemos o Atlético de Madrid e o Osasuña. Isso pode ter ajudado a deixar uma boa impressão. Pode ter sido a partir desses jogos de 1986 que fomos convidados depois. Era muito normal essas excursões em agosto", disse o ex-goleiro.
O restante da excursão
Após a partida do centenário do Celtic, o Cruzeiro ainda jogou duas vezes na Escócia: perdeu para o Hearts por 2 a 1 e ganhou do Leeds United, da Inglaterra, por 1 a 0. Depois, o time celeste disputou um torneio na Espanha, onde fez dois jogos diante de Recreativo de Huelva (empate por 3 a 3) e Real Zaragoza (vitória por 1 a 0). O passeio pela Europa foi encerrado na Itália, com empate por 1 a 1 com a Reggiana.
Estado de Minas destacou os "reforços olímpicos" e a lesão de Careca
A partida foi realizada em um domingo, às 10h (horário de Brasília). Em 1988, o Estado de Minas não tinha edição às segundas-feiras. No domingo, o periódico tratava a partida como "momento de mudança" para o Cruzeiro naquela excursão, com a chegada dos reforços da Seleção Olímpica (Ademir e Careca). Na terça-feira, o jornal destacou as próximas partidas da equipe na Europa e a lesão de Careca.
Ficha do jogo:
Celtic 4 x 2 Cruzeiro
Data: 7 de agosto de 1988
Motivo: Amistoso - Centenário do Celtic F.C.
Local: Glasgow, Escócia
Estádio: Celtic Park
Público presente: 41.659 pessoas
Árbitro: David Syme - ESC
Gols: Andy Walker - 10 min do 1T (Celtic), Franck McAvennie - 13 min do 1T (Celtic), Hamilton - 26 min do 1T (Cruzeiro), Andy Walker - 28 min do 1T (Celtic), Hamilton - 34 min do 1T (Cruzeiro) e Andy Walker - 25 min do 2T (Celtic)
Cartões Amarelos: Ademir, Gilmar Francisco e Hamilton (Cruzeiro)
Cartão Vermelho: Gilmar Francisco - 30 min do 2T (Cruzeiro)
Celtic: Ian Andrews; Chris Morris, Anton Rogan, Roy Aitken (Lex Baillie) e Mick McCarthy; Peter Grant (Owen Archdeacon), Paul McStay e Tommy Burns; Joe Miller (Billy Stark), Frank McAvennie (Charlie Christie) e Andy Walker (Mark McGhee). Técnico: Billy McNeill.
Cruzeiro: Wellington; Balu, Gilmar Francisco, Vilmar e Wladimir; Ademir (Éder), Édson Souza e Heriberto (Genilson); Careca (Fabiano), Hamilton (Agnaldo) e Robson (Ramon). Técnico: Antônio Lacerda.
Entrevistados: por onde andam?
Wellington Fajardo (57 anos): atualmente o ex-goleiro é treinador. Ele comanda a equipe do Patrocinense desde fevereiro deste ano. Já dirigiu vários clubes do interior, como Villa Nova, Uberlândia, Tupi e Democrata-GV.
Balu (56 anos): o ex-lateral-direito vive em Santos, mas mantém um trabalho ligado ao futebol na Secretaria de Esportes do município de São Vicente. Ele também atua como assistente técnico e está sem clube atualmente.
Édson Souza (53 anos): o ex-meio-campista é treinador desde 2006 e tem larga experiência por clubes do Rio de Janeiro, com maior identificação no Nova Iguaçu. Vive no bairro da Vila da Penha, na capital.
Genilson (54 anos): o ex-lateral-esquerdo largou o futebol de vez e hoje trabalha na segurança de um condomínio em Contagem, mas está perto de conseguir a aposentadoria.