“Isso não é coisa de herói, é coisa de homem, porque era Libertadores”. A frase define perfeitamente o espírito aguerrido de Fabinho, autor do gol da classificação do Cruzeiro à semifinal da Copa Libertadores da América de 1997. Lesionado, o volante seguiu em campo na partida decisiva contra o Grêmio, pelas quartas de final da competição, se mandou ao ataque antes de ser substituído e anotou, com direito a matada de bola no peito, o gol celeste na derrota por 2 a 1, no Estádio Olímpico – no placar agregado, 3 a 2 a favor dos mineiros. Somente ele e o goleiro Dida disputaram todos os 14 jogos da campanha vitoriosa.
“Eu machuquei, eu acho que eu era o melhor em campo, foi a minha melhor partida pelo Cruzeiro, estava jogando muito. Quando eu machuquei, pensei: não acredito. Machuquei, a bola não saia, só poderia substituir depois de a bola sair. Resolvi ir para o ataque para tentar ajudar, já que não conseguia mais marcar. Fui correndo na ponta do pé. Malandro, experiente, eu não deixava a perna esticar. O Célio Lúcio roubou a bola, fui para o ataque, e nenhum zagueiro me acompanhou. Quando o Alex Mineiro cruzou, só tinha eu. A bola viajou e eu ia fazer de cabeça. Mas, na hora, estava tão solto que botei a bola no peito, dominei e chutei. Pedi substituição, sai de maca, mas os caras não deixaram o Baresi entrar. Só depois de um tempo é que pude ser substituído. Isso não é coisa de herói, é coisa de homem, porque era Libertadores. Você machuca, mas depois conserta. Tem que dar a vida.”, exaltou o dono da camisa 5 estrelada na conquista continental.
Duas décadas depois, Fabinho relembra os episódios do bicampeonato da Copa Libertadores, destaca a importância de Dida e do técnico Paulo Autuori, a eficiência nas cobranças de pênaltis em momentos decisivos e a malandragem do time. O ex-jogador ainda relata detalhes do elenco e a identificação com o Cruzeiro. Confira a entrevista completa ao Superesportes.
Elenco cheio de campeões
”Sim, o time era casca-grossa. Na verdade, as pessoas que viam nosso time, de fora, não sabia que o time tinha essa bagagem toda. Vieram seis do São Paulo em 1996, uma turma de peso. Todos com títulos. O Cruzeiro já tinha sido campeão de tudo na década. Depois chegou o Wilson Gottardo, que tinha títulos por Botafogo e Flamengo. Mas não adiantava ser campeões individualmente, tinha que ser bom coletivamente. Outros times do Brasil tinham mais craques, como o Palmeiras, mas nosso time coletivamente era melhor, era manhoso. Nosso time era entrosado, jogou junto dois anos, fomos bicampeões mineiros, campeões da Ccopa do Brasil, e depois da Libertadores. Foram dois anos juntos jogando junto. Eu, por exemplo, já tinha sido campeão carioca em 1991 e brasileiro em 1992.
Time malandro
O nosso time prendia bola, picotava o jogo. Em comparação ao Rio, o time de Minas tocava mais a bola, rodava mais, até encontrar os espaços. Hoje o futebol mineiro está mais agressivo. Na época, não tinha pressa de entrar. Esperava o buraco para entrar.
Pré-temporada e início com Oscar Bernardi
Começamos mal, por problemas internos. Não quero falar muito abertamente, mas a verdade é que não começamos bem fisicamente. O trabalho do Oscar não estava legal. Houve mudanças na comissão com a chegada do Paulo Autuori o time foi ganhando corpo, fisicamente foi melhorando.
Depois das três derrotas, fizemos uma reunião e até pensávamos em empatar o jogo com o Grêmio em Porto Alegre. Pensávamos que, com duas vitórias sobre os peruanos, íamos nos classificar com sete pontos. Mas nós surpreendemos e ganhamos no Sul com um gol do Palhinha. O time voltou, foi ficando forte, passamos o carro em cima dos dois últimos adversários. Classificamos e chegamos às oitavas.
Importância de Autuori
Juntou tudo em um só profissional: ele é bom treinador e foi um psicólogo. Fez treinos mais específicos, com campo reduzido, apertou a parte física, trabalhou muito a mente. Ele dava dura quando ficava nervoso, mas era inteligente.
O jogador conhece quando a pessoa chega e você vê se é bom, se não é. Ele tinha bagagem, tinha feito boa campanha com o Botafogo. Tinha passado por Portugal.
Eficiência nas cobranças de pênaltis - Fabinho cobrou pênaltis nas séries contra o El Nacional (5 a 3), no Mineirão, e contra o Colo Colo (4 a 1), em Santiago. Nas duas, converteu.
Eu era o terceiro batedor oficial, era escalado mesmo porque eu treinava muito. Eu vou contar aqui, não jogo mais, e vou contar isso: escolhia ser o terceiro ou quarto batedor porque eu ficava estudando o goleiro, para ver se caia antes ou não. Tem goleiro que pula antes, eu era o terceiro ou quarto. Eu treinava muito, eu treinava pênalti, e treinava com os melhores goleiros: Dida, Andem (camaronês), Jean, Harley.
Eu só treinava com paradinha. Treinei mais de 500 pênaltis. Eu estava muito bem treinado. Quando o cara está bem, o gol fica grande.
Briga com Colo Colo
”Depois da classificação nos pênaltis (4 a 1), o Da Silva fez alguma coisa com a camisa, e os caras acharam que foi afronta com eles. Ai, na saída do campo, naquela sanfona, voou pedra, pilha, guarda-chuva. O brasileiro tem a mania de sair de campo separado e deu merda aquele dia. Ficamos separados, pilha vem, pilha vai, passamos cinco ou seis. Os grandões ficaram no campo. O vestiário deles era na frente. Quando passamos perto do vestiário deles, desceram uns dez jogadores já dando chute e soco. Estávamos eu, o Donizete (Oliveira), o treinador de goleiro. Consegui passar, fiquei de costas para a parede. Fiquei brigando com um, dá não dá, dois pegaram o Donizete. Ele pegou o Basay na gravata, chutaram ele no chão, mas ele não largou o Basay. Caímos até num canteiro de planta.
Dida na campanha
”O Dida foi regular o campeonato todo, era grande, era frio. Goleiro precisa ser frio, e ele era. Em cobranças de pênaltis, a gente sabia que ele ia pegar um ou dois, e isso dava tranquilidade para quem ia cobrar. Ele era muito regular. Eu era batedor, treinava muito, mas sabia que, se errasse, o dia ia ajudar, porque ele sempre pegava ao menos um. Com aquela altura toda, a gente sabia que ele ia pegar.
A qualidade que ele tinha dava calma para o time. Você sabia que o goleiro era seguro. É a mesma coisa do Cássio do Corinthians, passa segurança e isso faz o time jogar mais, ter mais tranquilidade.
Pressão para ganhar a final contra um azarão
Era para ganhar no Peru, jogamos melhor no Peru. No Mineirão foi mais tenso, a torcida toda nossa. No Peru jogamos mais tranqüilos, era para ganhar o jogo lá.
Tá maluco de querer jogar com argentino? Eu preferia jogar com eles, eu achava melhor pegar eles (peruanos). O Cruzeiro mesmo já perdeu uma Libertadores em casa para argentino, em 2009. Argentino é malandro, frio, parece que não está em campo e, de repente, te dá o bote. Catimbam muito. Por isso tudo, eu achei bom enfrentar o Sporting Cristal na final. O time deles era bom, eles eliminaram muitos caras bons, Julinho era bom, inclusive eu batia muito nele (risos).
Orgulho de ser campeão
Eu nunca medi o peso disso, eu gostava de jogar, ser campeão. Você não se dava conta de que era tão importante. Na época, você não tinha noção do feito. A meta era ganhar um campeonato, partir para outro, ganhar também. Você não se dava conta da dimensão histórica. Hoje, que estou de fora, vejo como é difícil ganhar uma Libertadores, vejo a importância disso. Eu ganhei uma Libertadores, isso muda o seu patamar. Em qualquer discussão de futebol, eu bato na mesa e digo: já ganhei Libertadores. Isso é uma honra que não tem dinheiro que compre.
Gol contra o Grêmio, mesmo machucado
”O que marcou foi as quartas de final, quando eu machuquei e fiz o gol da classificação contra o Grêmio. Eu machuquei, eu acho que eu era o melhor em campo, foi a minha melhor partida pelo Cruzeiro, estava jogando muito. Quando brequei, meu músculo estourou, e segui em campo, marquei o gol. Quando eu machuquei, pensei: não acredito. Depois eu soube que foi uma lesão grau dois no músculo posterior da coxa. Eu não esqueço disso. Machuquei, a bola não saia, só poderia substituir depois de a bola sair. Resolvi ir para o ataque para tentar ajudar, já que não conseguia mais marcar. Fui correndo na ponta do pé. Malandro, experiente, eu não deixava a perna esticar. O Célio Lúcio roubou a bola, fui para o ataque, e nenhum zagueiro me acompanhou. Quando o Alex Mineiro cruzou, só tinha eu. A bola viajou e eu ia fazer de cabeça. Mas, na hora, estava tão solto que botei a bola no peito, dominei e chutei. Pedi substituição, sai de maca, mas os caras não deixaram o Baresi entrar. Só depois de um tempo é que pude ser substituído. Por sorte minha, a competição parou por mais de um mês e deu tempo de recuperar.
Depois da substituição, fiquei no vestiário ouvindo o jogo pelo radinho, acompanhado pelo roupeiro Geraldinho. Ficamos em cima de um saco de roupa.
Isso não é coisa de herói, é coisa de homem, porque era Libertadores. Você machuca, mas depois conserta. Tem que dar a vida. Sou magrinho, tinha perna muito musculosa, e isso sempre me ajudou na carreira.
Objetos da época guardados
Eu gravava tudo no vídeo-cassete, gostava disso, não tinha filho, e dizia que meus filhos não iam me ver jogando. Hoje, posto muita coisa na internet. Esse ano mesmo postei os pênaltis contra o El Nacional e contra o Colo Colo. Converti nos dois jogos.
Eu tenho algumas coisas, era para ter muito mais. Fiz um museu em casa. Roubaram a camisa da semifinal. Tenho mais de cem blusas, de todos os times.
Cruzeiro no coração
Volante não roda muito. Eu era bem profissional, não tinha bagunça, farra, treinava muito, e um volante jogava em poucos times. Eu me identificava com os clubes. Fui revelado pelo Flamengo, foram 12 anos. No Cruzeiro, três anos. No Grêmio, dois. Fechei no Fluminense, com mais três anos.
Onde ganhei mais foi o Cruzeiro, foi onde eu tive a melhor fase da minha carreira. Tive jogos brilhantes, média alta, títulos de peso. No Grêmio, tive que aprender a bater mais.
Eu vou muito em Minas, mas quando vou, o pessoal reconhece. Se eu for para local de torcida, o pessoal vai reconhecer, eles me recebem muito bem.
Diferenciais do time
”O Palhinha fazia mais diferença, ele fazia jogava de grau de risco muito alto, ele arriscava, era ousado. Quando acertava, era caixa. O Palhinha era acima da média, quando acertava o passe, era um abraço. O Marcelo para fazer gol também era terrível.
Eu joguei com muita gente, mas nunca vi um lateral que volta mais rápido que ataca como fazia o Vitor. Esse cara era maluco, que saúde era essa, cara. Está maluco? Eu era de correr e aquilo que alegrava, ver ele jogar me contagiava. Que alegria, negão, que alegria nas pernas. A volta mais rápida que a ida. Eu nunca vi isso na minha vida.