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CLÁSSICO 500

Nogueirinha e Vavá, personagens dos clássicos de 1940 e 50, lembram rivalidade e amizade entre Atlético e Cruzeiro

Jogadores viveram as emoções do clássico e são testemunhas da rivalidade praticamente desde o começo. Mas fazem questão de ressaltar que, fora de campo, os atletas eram amigos e se reuniam nos dias de folga em BH

Rafael Arruda Roger Dias
Atacantes Nogueirinha, do Cruzeiro, e Vavá, do Atlético, são testemunhas da rivalidade desse clássico - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press e Beto Novaes/EM/D.A Press
Numa época em que o futebol não era movido pelos altos cifrões, o clássico mineiro já agitava Belo Horizonte, fosse no Estádio Antônio Carlos, Alameda ou mesmo no Campo do Barro Preto, casas de Atlético e Cruzeiro nas primeiras décadas do século XX. O ponta-direita Nogueirinha e o ponta de lança Vavá são testemunhas importantes do surgimento dessa rivalidade quase centenária. Jogadores mais experientes dos clubes ainda vivos, ambos lembram com emoção dos anos dourados em que eram protagonistas do emblemático confronto estadual.
Vavá começou a carreira justamente num clássico e marcando um gol no fim, na vitória por 5 a 2 - Foto: 27/06/2017. Beto Novaes/EM/D.A Press
Enfrentar a Raposa se tornou mais do que especial para o atleticano Vavá, hoje com 86 anos, único remanescente da conquista simbólica de Campeão do Gelo em 1950. Um ano antes, o mineiro nascido em Sacramento começou a carreira justamente num clássico e marcando um gol no fim, na vitória expressiva por 5 a 2, na Alameda. Recém-promovido ao time principal, Vavá tinha apenas 19 anos e logo demonstrou sua principal vocação: o bom posicionamento na área, capaz de surpreender os zagueiros. “Era inexperiente, pois tinha chegado a Belo Horizonte há pouco tempo. A gente fica muito emocionado, talvez até demais. Vencemos o Cruzeiro e eu fiz um grande jogo, marcando gol. Esse é o fato importante. Foi o primeiro que eu fiz, justamente na estreia”.

Em quatro anos no Galo, de 1949 a 1953, o ponta de lança fez parceria de sucesso com um dos maiores ídolos da história do clube na era pré-Reinaldo: o centroavante Ubaldo. Vavá conta um episódio triste e marcante que viveu ao lado do parceiro. “Teve um jogo em 1953 em que precisávamos vencer para enfrentar o Siderúrgica na final. Mas o pai do Ubaldo faleceu um dia antes do jogo. Pedimos para o Yustrich para que ele fosse poupado. Mas ele não aceitou. E o Ubaldo, em luto, fez uma das melhores partidas e me lançou para eu fazer o gol da vitória. Foi algo inesquecível”.

Naquele tempo, a rivalidade entre Atlético e Cruzeiro existia, mas a amizade entre os atletas era grande. “Nós, jogadores do Atlético, éramos ligados aos jogadores do Cruzeiro Sabu, Geraldo II, Lazarotti, Chiquinho, amigos da gente. Nos encontrávamos no Bar Marrocos, na segunda, dia de folga, na Praça Raul Soares. Éramos amigos, mas cada um queria ganhar o jogo”. Vavá deixou o futebol aos 23 anos, por causa de um erro médico, que diagnosticou um problema cardíaco inexistente, e se tornou delegado da Receita Federal. Em 1997, foi diretor de futebol do Atlético.

Ex-atacante Nogueirinha, de 96 anos, defendeu o Palestra/Cruzeiro nas décadas de 1930 e 1940 - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press
CLÁSSICOS DE BRIGA

Nogueirinha, de 97 anos, é mais antigo ainda, tendo atuado entre 1940 e 1947, na transição do antigo Palesta Itália para o Cruzeiro. O ponta-direita marcou oito de seus 49 gols pela Raposa em clássicos contra o Atlético, ao qual se refere como “grande rival”. “Jogos contra o Atlético sempre paravam a cidade. Às vezes, dava até briga”. “Tinha um tal de Bigode que tentava me marcar e não conseguia me pegar de jeito nenhum”, afirma, referindo-se ao ex-lateral-esquerdo que defendeu o alvinegro entre 1941 e 1943 e fez história com a camisa do Fluminense, pelo qual disputou quase 400 partidas.

Considerado jogador exemplar dentro e fora de campo, Nogueirinha também fez amizade com os atletas do Galo, como o goleiro Kafunga. “Tinha muita amizade com o Kafunga. Não sei o por quê, mas ele gostava muito de mim. Um dia perguntei a ele: ‘Por que seu apelido é Kafunga?’. Ele respondeu: ‘É que eu não respirava direito, então, quando corria, ficava cafungando. Aí ficou Kafunga’. Ele gostava de mim”. Fluente em inglês e com conhecimento em italiano, o jogador teve o mesmo destino de Vavá e encerrou a carreira aos 27 anos para se dedicar a atividades profissionais na área de contabilidade e como tradutor.