Neymar termina (de novo) namoro com Bruna Marquezine. Neymar faz megafesta de réveillon na Bahia. Neymar é liberado pelo Paris Saint-Germain para continuar tratamento no pé direito no Brasil e vai a camarote durante carnaval no Rio. Neymar suspenso por insultos à arbitragem na Liga dos Campeões. Neymar dá soco em torcedor depois de derrota do PSG na final da Copa da França. Neymar aparece em foto com a cantora Rihanna. Neymar é acusado de estupro. Essa breve retrospectiva, iniciada em outubro do ano passado, mostra como a carreira do mais importante jogador brasileiro da década tem ficado em segundo plano. Como os gols e as belas jogadas em campo têm dado, cada vez mais, lugar a um noticiário que flutua entre a fofoca e as polêmicas fora das quatro linhas. Como o Neymar que se desenhou craque desde os primeiros chutes na bola tem sido ofuscado pelo Neymar estilo “criamos um monstro” premeditado pelo técnico Renê Simões, há nove anos.
O corte do principal nome da Seleção Brasileira da Copa América, por causa de torção no tornozelo direito, parece ser apenas mais uma peça desajustada de um quebra-cabeça imaginário que nunca se completa. Neymar não consegue ser o jogador que se espera dele. Por uma série de fatores. Por influência de várias pessoas, inclusive das mais próximas a ele, que insistem em superprotegê-lo, em infantilizá-lo, em tirar dos ombros dele a responsabilidade que tem não só como jogador de expressão e ídolo de milhares de pessoas, mas, sobretudo, como homem.
O episódio da acusação de estupro ilustra bem isso. E de quebra mostra que vivemos em um ambiente de machismo institucionalizado. Sem entrar especificamente no mérito da questão criminal – até porque ela ainda está em processo de investigação –, há um roteiro preconcebido rodando por aí do “pobre menino rico enganado por uma moça aproveitadora”. Veredictos dados com a convicção de quem testemunhou cada minuto da narrativa, inclusive tendo estado dentro do quarto daquele hotel em Paris. Vivemos numa era em que as pessoas sentem uma necessidade quase fisiológica de julgar instantaneamente o que nem sequer viram. Só ouviram falar.
O Neymar jogador é, antes de tudo, o Neymar cidadão. Que precisa saber o alcance de suas ações, de suas declarações, de tudo o que faz. Dentro e fora de campo. Às vezes, até me pego pensando se tanta frustração que o atacante tem carregado nos gramados tem ligação com um certo troco do universo, aquela famosa lei do retorno, o velho carma. Afinal, não dá para negar que o calvário não tem sido pequeno, especialmente de 2014 para cá. Senão vejamos. Uma pancada nas costas o tirou de combate em meio à disputa da Copa do Mundo do Brasil. A expectativa era buscar a redenção na Rússia’2018, mas ele chegou ao último Mundial longe da melhor forma, ainda se recuperando de cirurgia no pé direito. No início deste ano, ficou fora da fase decisiva da Liga dos Campeões por causa de problema no mesmo pé. E agora é tirado da Copa América em solo brasileiro por causa de outra contusão, novamente no pé direito.
Se voltarmos um pouco mais no tempo, veremos outros momentos conturbados na carreira do jogador, desde a rebeldia da época de Santos (inclusive a que rendeu a famosa citação de Renê Simões) até as negociatas feitas na ocasião da transferência para o Barcelona – transação que foi dissecada pela Justiça espanhola – e os rolos com a Receita Federal no Brasil. A ida para o PSG também não foi das mais serenas. Não é por acaso que ele não tem criado identidade por onde passa. Clubes e Seleção Brasileira. Falta um fio condutor a ligar o Neymar real ao jogador que a gente gostaria que ele fosse.
Ao mesmo tempo, a gente vê outro símbolo da Seleção Brasileira muito distante de toda essa badalação, de todo esse protecionismo, cumprindo a missão dela da melhor forma. Uma camisa 10 que faz jus à árdua caminhada que precisou percorrer para alcançar o sonho de ser jogadora de futebol. Que se dedica à equipe nacional de corpo e alma. Que, por tudo isso, merecia mais reconhecimento. Merecia dos deuses do futebol mais complacência até. Que merecia uma conquista expressiva, como medalha olímpica ou título mundial, para coroar tudo o que ela significa para o futebol.
Hoje, mais uma Copa do Mundo de Futebol Feminino se inicia. Será mais uma tentativa de Marta para subir ao degrau mais alto do pódio. Ela não precisa de troféus para atestar sua relevância para o esporte mundial. Mas merecia. A Seleção Brasileira tem, sim, uma camisa 10 bem representada. Tem craque. Tem um exemplo para milhares de meninas que sonham em invadir esse espaço ainda masculino. Precisamos falar mais de Marta. Simplesmente porque ela merece.