Os dias turbulentos vividos pelo Cruzeiro desde domingo, com a veiculação de matéria, pela TV Globo, com denúncias de irregularidades envolvendo a atual gestão do clube e os subsequentes desdobramentos, com informações complementares e mais revelações de manobras (no mínimo) questionáveis feitas pela diretoria celeste – o site Superesportes tem uma listagem completa de reportagens que ajudaram a ampliar esse espectro –, me levaram a uma viagem no tempo. Voltei a 2001, quando, repórter em início de carreira, embarquei em uma das coberturas mais complexas de que participei: a da CPI do Futebol.
Aquela Comissão Parlamentar de Inquérito tinha por objetivo investigar a regularidade do contrato entre a Confederação Brasileira de Futebol e a empresa de material esportivo Nike. Não deixou de ser um embrião de muito do que veio a ser descoberto anos mais tarde, e que resultou em afastamento e prisão de cartolas de confederações mundo afora, inclusive de dirigentes da própria CBF, por crimes de corrupção, desvio de verbas, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito, entre outros.
Um dos braços da CPI do Futebol esteve em Minas Gerais, numa varredura na até então intocável Federação Mineira de Futebol (FMF). Nepotismo, perenização da família de Elmer Guilherme (foto)(que havia sucedido o pai) no comando da FMF, contratos sem licitação e até a compra de uma fazenda no Mato Grosso pela federação foram alguns dos assuntos que, alicerçados por muitas entrevistas, muitos documentos e muita apuração integraram o trabalho que fiz para o jornal Estado de Minas em parceria com a colega Hélem Lara, do Diário da Tarde.
Numa das etapas mais avançadas da CPI, fomos a Brasília, acompanhar o depoimento do então presidente da FMF, Elmer Guilherme, no Congresso Nacional. Muito do que apuramos, inclusive, alimentou parte dos questionamentos dos integrantes da comissão ao dirigente. Lembro-me como se fosse hoje que cada resposta de Elmer para justificar algum procedimento contestável era sucedida pelas seguintes perguntas: “Isso é legal?”, “Isso é ético?”, “Isso é moral?”. Foi desconcertante.
Avançando 18 anos no tempo, transporto as mesmas perguntas para tudo o que foi argumentado pelo vice-presidente executivo de futebol do Cruzeiro, Itair Machado, no início desta semana, para rebater as acusações – muito bem documentadas, por sinal – feitas pela equipe da TV Globo e veiculadas no Fantástico.
Dirigentes que, em questão de dias ou meses, tiveram alterações substanciais no salário; multas rescisórias unilaterais e milionárias nos contratos desses mesmos diretores; inclusão dos direitos econômicos de uma criança em garantia de dívida; maquiagem no balanço contábil, com o registro da venda do armador De Arrascaeta e por aí vai…
Em cada uma dessas e de outras denúncias que recaem sobre a gestão cruzeirense, cabem as perguntas aos dirigentes: é legal? É moral? É ético?
O que está vindo à tona, neste momento, no Cruzeiro, pode ser apenas a ponta do iceberg, como foi com a faísca acesa pela CPI do Futebol, lá atrás. Por vezes, muitos dos procedimentos não são ilegais – como as “promoções meteóricas” a dois cartolas –, porém, estão muito distantes de qualquer parâmetro moral e/ou ético que se possa estabelecer.
Afinal, nos bastidores era sabido que a dívida do Cruzeiro se multiplicava em velocidade cibernética e até eu, que estou longe de ter a matemática financeira como uma de minhas virtudes, sei que em casos assim o mais recomendável é reduzir despesas.
Além disso, é muito difícil acreditar, ou até mesmo entender, como tudo isso vinha sendo feito dentro do clube, debaixo das barbas de velhas raposas – com o perdão do trocadilho com a mascote celeste, que nada tem a ver com as falcatruas que rondam o mundo do futebol.
Não há desavisados ou inocentes nesta história, meus caros, nem paladinos na luta pela moral e pelos bons costumes. É com esse discurso, de defensores da honestidade e da verdade, que muitos têm se dado bem no cenário político brasileiro atual, mesmo tendo feito parte do esquema por décadas. Nada mais, nada menos do que mero mise-en-scène.
A Polícia Civil já está em campo. Dentro do Cruzeiro também são prometidas ações enérgicas. O torcedor, legitimamente preocupado com o futuro do clube, espera que a caxa preta seja de fato aberta. Pode não ser agora, mas, acreditem, a conta chega.