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COLUNA TIRO LIVRE

Acima de tudo, o respeito

Não dá para negar, no entanto, que há muito discurso sobre o caso Tiffany por aí contaminado pelo preconceito

postado em 26/01/2018 12:00

Marcelo Ferrazoli/Volei Bauru
Desde Adão e Eva que é assim. O novo causa dúvidas, por vezes gera desconforto e até críticas, muitas delas por desconhecimento da realidade, outras por desdém mesmo. Na velocidade cibernética em que vivemos, todo e qualquer cidadão quer apresentar seu veredicto sobre todo e qualquer tema sem se preocupar se tem experiência/conhecimento de causa para tal. Nas redes sociais especialmente. O que vale é bater o martelo. Apontar o dedo. Decretar o que é certo ou errado. Principalmente, o que o outro está fazendo de certo e errado – e são tantos os telhados de vidro por aí... Fato é que ser desbravador em qualquer área da vida exige persistência, além de grande dose de resiliência. E neste tribunal de meias verdades que impera nestes tempos modernos, a bola da vez é a transgênero Tiffany (foto), oposta do Bauru, que na noite desta sexta-feira enfrentará o Minas, na Arena JK, pela Superliga Feminina de Vôlei.

A matéria sobre a polêmica participação de Tiffany no torneio, publicada na edição dessa segunda-feira no jornal Estado de Minas, assinada pelo repórter Renan Damasceno, foi acima de tudo um serviço de utilidade pública. Nela, médicos e fisiologistas dão o parecer científico sobre o caso. E a opinião geral é de que ainda não há subsídios para determinar se existe (ou não) qualquer desigualdade na disputa, pois não foi desenvolvida uma quantidade suficiente de estudos para determinar uma conclusão. Até mesmo o parâmetro usado pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB), de medição de testosterona, é discutível, na ótica de alguns especialistas.

Justamente por toda a superficialidade do assunto, o Comitê Médico da FIVB anunciou na quarta-feira que ainda precisa analisar mais o fato, tanto do ponto de vista físico quanto pelas perspectivas ética e legal, para definir se há necessidade de mudança nas regras. E fará isso em conjunto com o Comitê Olímpico Internacional. Há muitos ângulos a se considerar, entre eles o impacto de qualquer definição sobre as atletas, transgêneros ou não.

Por tudo isso, talvez o mais prudente neste momento, antes de qualquer julgamento, seria adotar uma postura bem Glória Pires. “Prefiro não opinar.” Se os médicos, que têm toda a bagagem e conhecimento para tratar o assunto, ainda não chegaram a um consenso, seria eu, uma simples jornalista, ou você, professor (a), engenheiro (a), motorista, bancário (a), vendedor (a), advogado (a), que teria a solução? Existem questões um tanto quanto complexas que extrapolam o mundinho dos comentaristas de internet e que merecem um pouco mais de cuidado.

Até mesmo entre as atletas há uma divisão clara de opiniões. De um lado, aquelas que reconhecem em outras colegas força semelhante à de Tiffany – muitas citam a campeã olímpica Tandara, uma das maiores pontuadoras da Superliga e que atua pelo Osasco. De outro, de forma mais velada, estão as insatisfeitas com a presença de Tiffany no torneio feminino sob a alegação de que, como o organismo dela teve formação masculina, naturalmente ela teria uma potência de ataque maior que as mulheres. Desse grupo, são pouquíssimas as jogadoras que se manifestaram publicamente.

Não dá para negar, no entanto, que há muito discurso sobre o caso Tiffany por aí contaminado pelo preconceito. Na sociedade em geral, a inserção de transgênero é um desafio premente. A aceitação ainda é influenciada por elementos culturais e até religiosos. No esporte não é diferente. Infelizmente, as arquibancadas de ginásios e estádios costumam ser arena de desvios de comportamento condenáveis e que encontram abrigo sob o pretexto da rivalidade, da competitividade, da disputa esportiva. Assim, não são raros registros de homofobia, sexismo e toda sorte de discriminação. Como se houvesse algum tipo de licença moral para atenuar as mais absurdas formas de preconceito.

Por isso, aos torcedores que estarão na Arena JK hoje, para acompanhar a partida, um pedido. Que Tiffany seja respeitada, na sua figura de atleta e, sobretudo, como ser humano. Que os princípios do fair play se façam presentes. Afinal, torcedor, acima da sua opinião sobre o tema, da sua torcida, da sua ideologia, da sua religião... Acima de tudo, em qualquer campo da vida, é preciso haver respeito. É ele a premissa de qualquer relação, profissional, pessoal e esportiva.

Tags: nacional seriea volei