
A matéria sobre a polêmica participação de Tiffany no torneio, publicada na edição dessa segunda-feira no jornal Estado de Minas, assinada pelo repórter Renan Damasceno, foi acima de tudo um serviço de utilidade pública. Nela, médicos e fisiologistas dão o parecer científico sobre o caso. E a opinião geral é de que ainda não há subsídios para determinar se existe (ou não) qualquer desigualdade na disputa, pois não foi desenvolvida uma quantidade suficiente de estudos para determinar uma conclusão. Até mesmo o parâmetro usado pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB), de medição de testosterona, é discutível, na ótica de alguns especialistas.
Justamente por toda a superficialidade do assunto, o Comitê Médico da FIVB anunciou na quarta-feira que ainda precisa analisar mais o fato, tanto do ponto de vista físico quanto pelas perspectivas ética e legal, para definir se há necessidade de mudança nas regras. E fará isso em conjunto com o Comitê Olímpico Internacional. Há muitos ângulos a se considerar, entre eles o impacto de qualquer definição sobre as atletas, transgêneros ou não.
Por tudo isso, talvez o mais prudente neste momento, antes de qualquer julgamento, seria adotar uma postura bem Glória Pires. “Prefiro não opinar.” Se os médicos, que têm toda a bagagem e conhecimento para tratar o assunto, ainda não chegaram a um consenso, seria eu, uma simples jornalista, ou você, professor (a), engenheiro (a), motorista, bancário (a), vendedor (a), advogado (a), que teria a solução? Existem questões um tanto quanto complexas que extrapolam o mundinho dos comentaristas de internet e que merecem um pouco mais de cuidado.
Até mesmo entre as atletas há uma divisão clara de opiniões. De um lado, aquelas que reconhecem em outras colegas força semelhante à de Tiffany – muitas citam a campeã olímpica Tandara, uma das maiores pontuadoras da Superliga e que atua pelo Osasco. De outro, de forma mais velada, estão as insatisfeitas com a presença de Tiffany no torneio feminino sob a alegação de que, como o organismo dela teve formação masculina, naturalmente ela teria uma potência de ataque maior que as mulheres. Desse grupo, são pouquíssimas as jogadoras que se manifestaram publicamente.
Não dá para negar, no entanto, que há muito discurso sobre o caso Tiffany por aí contaminado pelo preconceito. Na sociedade em geral, a inserção de transgênero é um desafio premente. A aceitação ainda é influenciada por elementos culturais e até religiosos. No esporte não é diferente. Infelizmente, as arquibancadas de ginásios e estádios costumam ser arena de desvios de comportamento condenáveis e que encontram abrigo sob o pretexto da rivalidade, da competitividade, da disputa esportiva. Assim, não são raros registros de homofobia, sexismo e toda sorte de discriminação. Como se houvesse algum tipo de licença moral para atenuar as mais absurdas formas de preconceito.
Por isso, aos torcedores que estarão na Arena JK hoje, para acompanhar a partida, um pedido. Que Tiffany seja respeitada, na sua figura de atleta e, sobretudo, como ser humano. Que os princípios do fair play se façam presentes. Afinal, torcedor, acima da sua opinião sobre o tema, da sua torcida, da sua ideologia, da sua religião... Acima de tudo, em qualquer campo da vida, é preciso haver respeito. É ele a premissa de qualquer relação, profissional, pessoal e esportiva.