Quando eu era meninote em Mariana e meu velho pai deixava a nossa casa para a labuta às 7h da manhã, me sentia confiante, pois quando ele chegasse de volta, às 19h, já teria se esquecido de me castigar por eu ter jogado bola escondido no horário dos estudos. Batata! Quase sempre funcionava, pois era só ele colocar o pé em casa, assoviar seu amor por minha irmã, ganhar um abraço apertado dela e o meu mal feito caía no esquecimento.
Ao contrário da minha molecagem inofensiva, do esquecimento por cansaço do meu pai e da inocente troca do caderno pela peladinha no gramado da igreja de São Francisco, o caos vivido pelo Cruzeiro não é nada lúdico e nem pode ser transformado em peça de nostalgia.
Basta mudar os atores desse enredo para perceber a gravidade. No lugar do meu velho pai entram em cena os 573 conselheiros do clube. Já no meu papel de meninote arteiro, ingressam os cartolas que criaram esse colapso institucional vivido no clube. Por fim, troca-se a pequena molecagem pela cancerígena dívida de R$ 500 milhões, construídas por diversos presidentes do clube e pela omissão de centenas de conselheiros e ex-conselheiros. Dramaticidade acrescida ainda de investigações das polícias Federal e Civil e ações judiciais, que juntas, estão jogando o nome do Cruzeiro na lama por hoje ser escudo de terceiros.
Dito isso, comecemos a analisar o último capítulo dessa novela, que aqui vou nominar de “Jogo do Esquecimento”. Seu roteiro pode ser resumido num trecho da última nota do presidente do Conselho Deliberativo, Zezé Perrella: “considerando-se as importantes disputas que nosso time terá no mês de julho”, ele empurrou para o mês de agosto mais uma decisão que deveria ser tomada de imediato.
Nessa lógica, o presidente e demais conselheiros em silêncio parecem apostar na demência de nós torcedores e dos sócios cotistas do clube. Pergunta: em agosto não teremos também “importantes disputas”?
Pelo visto, com essa nota, estão certos da nossa desclassificação para o Atlético de Lourdes na Copa Cruzeiro do Brasil e frente ao River Freguês Plate na Libertadores. Além disso, têm uma fé incrível de que Mano Menezes se transformará em Jesus Cristo e milagrosamente multiplicará, antes de agosto, os 37 pontos restantes para evitar a “atleticanização” de uma Série B.
Portanto, fica agora um pedido aos conselheiros do Cruzeiro: não nos tratem como idiotas. Todos vocês estão nesse posto não por obrigação, mas sim porque um dia se candidataram voluntariamente para fiscalizar, prezar pelos valores de luta e honestidade que marcaram os quase 100 anos dessa instituição nascida na rua Caetés. E principalmente, para tutelarem o destino do maior clube de Minas Gerais, amado e financiado não por 573, mas sim por nove milhões de torcedores/sócios/consumidores.
Se nada de errado estiver acontecendo, não há o que temer ou protelar. A torcida cruzeirense sempre estará ao lado de quem faz realmente pelo clube, traz títulos e mantêm o Cruzeiro como o único gigante de Minas Gerais. Diminuir as críticas dos torcedores a um “efeito manada” ou misturar resultado em campo com obrigação de organizar internamente a administração e moralidade do clube, é algo muito pequeno, mesquinho e perigoso.
A Academia Celeste é multicampeã graças a dirigentes que montaram elencos; escretes que se uniram e se doaram; técnicos que souberam moldar esses perfis, mas a historia precisa ser escrita não a partir dos capítulos II, III ou IV. Justo é contá-la a partir do “Capítulo I”, e esse se chama “Torcida do Cruzeiro”.
Ali deve-se começar a história com: “Era uma vez um torcida azul celeste. De tão bela e forte, ela se fez em milhões e esses milhões, durante cem anos, mostraram ao mundo o quanto é bonito torcer para um clube praticante do futebol arte e da honestidade”.
Portanto, não apostem no nosso esquecimento e tampouco, sejam desonestos em nos transformarem em culpados.
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