Quando se tem história sem máculas de caráter ou de rebaixamentos, não precisamos escolher ou nos atermos a um dia ou a um santo. Se o gênio da lâmpada viesse nos oferecer três desejos de lembranças, teríamos uma infinidade de opções a serem consultadas numa enciclopédia azul.
Nostálgico, do tipo que defende a camisa do Palestra obrigatoriamente como terceiro uniforme, eu escolheria recordar do começo de tudo. O jogo inaugural, o primeiro ponto, a fundação.
Meninos, moças e companheiros de “coroagem”, quase certamente, o seu primeiro beijo não foi o melhor, não é? Mas pergunto: você foi capaz de esquecê-lo?
O meu primeiro foi num banco de madeira, embaixo de uma janela com vasos de flores, na praça da minha cidade, Mariana. Eu suava frio. Não sabia se acariciava o rosto da minha namorada, se fechava os olhos ou os mantinha abertos, se mexia ou deixava quieta a minha língua. Nem de longe foi o melhor, mas foi inesquecível.
É como ter a completa consciência do quanto Brandi e Furletti são os maiorais, mas também orgulhar de Aurelio Noce e os pioneiros daquele 2 de janeiro de 1921. Ou mesmo discutir se o tento mais emocionante foi de Joãozinho (1976), Elivélton (1997) ou Geovanni (2000), porém, sem nunca esquecer de João Lazarotti, o Nani, que no dia 3 de abril do ano de nossa fundação, nos fez a aprender a palavra mágica “gol”.
É saber que o Mineirão foi construído para ser palco da Academia Celeste. Mas nunca esquecer que ao doar terrenos para três clubes da capital, a elite política de Belo Horizonte guardou para o Palestra o renegado bairro Barro Preto, região para onde empurrou negros expulsos da primeira favela da capital, operários e imigrantes italianos. Por isso, podemos estufar o peito de tanto orgulho por termos o Barro Preto (e Azul) como a casa do Time do Povo e, ao mesmo tempo, por não termos vendido o mesmo terreno uma, duas e até três vezes, honrando os contratos, que previam a obrigatoriedade “do espaço ter como fim a prática esportiva”. Nesse quesito, a história de shoppings e supermercados mostrou em qual clube o caráter tremeu...
É saber que o gol de Rodriguinho contra o Goiás, domingo passado, levou a ampulheta dos pontos corridos no Brasileirão a escorregar seus grãos de areia até o tempo do milésimo. Porém, é também reescrever o dia 30 de abril de 2003, quando lamentamos os dois pontos perdidos no empate contra o São Caetano. É transformá-lo em alegria, pois ali, na verdade, conquistávamos o primeiro dos 1.000 nessa linda história recheada ainda com uma trica de títulos e tantos outros pontos inesquecíveis na tabela, como os três vindos no 6 a 1 de Alexandre Kalil, que ali, ao babar ódio para nos destruir, diminuiu ainda mais a minúscula história da Turma do Sapatênis (eles não “cruzeiraram”).
Se eu puder escolher de quem será o gol da vitória hoje, elegerei Sassá. Quero vê-lo apontar para as cinco estrelas no céu e dizer o seu jargão “a favela venceu”. Assim, a noite se fechará sem precisarmos escolher entre 1.000, 100% ou um século.
Vencerá o gol de Nani, o aprendizado contra o São Caetano, o imigrante, o operário, o negro do Barro Preto, o palestrino, o meu primeiro beijo...
“Nós cruzeiramos”, assim vou conjugar o verbo nas arquibancadas do Mineirão em festa.
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