Nunca o céu teve tantas estrelas e brilhos de foguetes como naquela noite de 1991. Dos quintais de Santa Tereza, era possível ver a periferia de Belo Horizonte iluminada a sorrir. Quantas fossem as montanhas por detrás da Serra do Curral, eram galáxias e mais galáxias azuis a cobrir Minas Gerais. No alpendre de casa, Dona Luzia, atônita, tentava acreditar no acontecido. Envolta aos gritos de “campeão” ressoando do radinho colado ao ouvido do marido e da algazarra dos moleques Silvério e Afrânio correndo com seus mantos sagrados surrados. Era muita felicidade no coração da mãe cruzeirense. A noite daquele 20 de novembro jamais teve fim para as mulheres e crianças supercampeãs das Américas.
Hoje, amanheci querendo conversar com Dona Luzia...A senhora acreditava que conseguiríamos? Algum dia sonhou em ver o eterno capitão Ademir Roque Kaefer marcando um gol de cabeça e de costas? Acredite, Dona Luzia! Eu estava lá e depois de uma semana amargando aquele roubo (no) monumental em Buenos Aires, vivi e vivo até hoje, toda noite, aquela vitória de 3 a 0 sobre o River Plate.
Ah, Dona Luzia, os meninos tinham mesmo de correr naquela alegria incontida. Desembestados como Mário Tilico com suas pernas de graveto. O Forest Gump tupiniquim que só parava suas arrancadas quando lhe batessem palmas por algum feito; geralmente, um passe para o gol de Charles.
Relembro a noite azul mais longa do mundo para dizer à senhora um “até breve”. Pedir sua benção e que nos espere voltar da jornada de amanhã, na Toca da Raposa 3. Vamos em busca de reverter mais um impossível. Curar com justiça as veias abertas da América Latina, assim como fizemos na Supercopa de 1991. Encontrar novos Ademir e Tilico para carimbar um 3 a 0 no Boca Juniors.
Só queria que a senhora ficasse tranquila. Nós voltaremos. Não sei a hora, se alegres ou tristes, mas voltaremos. Afinal de contas, a casa da senhora é o nosso cantinho azul para tantas pelejas como visitantes nessa ardida Copa Libertadores Raiz. Foi na sua vontade de ver a casa cheia de apaixonados pelas cinco estrelas que a gente foi encontrando força para vencer a dureza do caminho.
Inúmeras vezes nos espalhamos pelo alpendre, sala, corredor e jardim. Cheios de superstição, nos escalávamos. A senhora coladinha na parede do fundo da sala, encabeçando uma zaga imaginária. Marcelinhos, Gustavos, Cristianos e Nandos jogados pelas beiradas à esquerda. No corredor direito, nos cercávamos de um anjo de pernas finas e os guardiões carecas de alcunha italiana a nos lembrarem do passado palestrino. Meu corpanzil escorado na janela lateral esquerda. Como quem pudesse fazer a cobertura do Egídio. No gargarejo da TV, lançávamos veneninhos de mandinga até encontrarmos os gols.
Eles vieram! 4 a 0 em São Januário e 2 a 0 no Maracanã. No alpendre, nos jogávamos a dançar no refrão do hit “olha aqui, a multidão (azul) está pulando”. A gente se misturava à negritude de uma noite estrelada.
Mas eis que vivemos juntos também a amargura de um novo roubo como o de 1991. Não no Monumental de Nuñez, mas na Bombonera. Novamente, criaram um 2 a 0 para tentar nos impedir de manter viva a história do Cruzeiro, o time das noites mais longas do mundo.
Por isso, pedi esse dedo de prosa com a senhora. Para dizer, que desta vez, vamos deixar o alpendre da sua casa por um instante, e vestidos com nossos mantos surrados, iremos ao Mineirão buscar a classificação sobre o Boca.
A gente volta, Dona Luzia, pois se tem uma coisa que a casa da senhora, seu coração azul e essa nossa família de eternos meninões estão cansados de saber é que sendo Cruzeiro, nunca faltará nessa nossa vida um Tilico, um Geovanni, um Joãozinho ou um inacreditável a nos permitir essas noites azuis mais longas e felizes do mundo.