A opção preferencial de Neymar por ludibriar o juiz e sua atitude de adolescente mimado enervam os adversários, que batem e jogam em dobro porque vencê-lo transforma-se numa obrigação moral, para além do jogo de futebol. Sua condição de laranja podre certamente o credenciaria a sair candidato pelo PSL do amigo Jair Bolsonaro (amizade que lhe cai como luva diante de seus problemas com a Receita Federal, vai vendo, enquanto o outro serve-se de sua popularidade). Neymar não agrega, convenhamos, divide. Seus patrocinadores, desaparecidos desde a Copa no Brasil, já compreenderam sua essência desprovida de alça e rodinhas: Neymar é um mala – um contêiner, a bem da verdade.
O Brasil sem Neymar é um time operário, embora siga recheado dos patrões do futebol mundial, feras além-mar sobre as quais você só manja se for um lacaio da Champions League, argh! O Brasil sem Neymar é um time de luta e de raça, que se permite ao exercício do talento como se fosse mais fácil desenhar no guardanapo quando Picasso sai da mesa. No Brasil sem Neymar não se busca Neymar o tempo inteiro, como se apenas a ele coubesse a primazia do drible, da ousadia, do faz-que-vai-mas-não-vai que é a mágica e a escola do futebol brasileiro.
Tivesse Neymar, Daniel Alves não estaria endiabrado, a lembrar remotamente o Patricão da Massa. Daniel buscaria Neymar para a função de capiroto que, na semifinal, desenvolveu tão bem. Gabriel Jesus desencantou porque não havia aquele Pilatos a fazer-lhe sombra com a nuvem negra. O primeiro gol do Brasil contra a Argentina tem origem numa interminável troca de passes, incisiva, bonita de se ver, algo que nos remete a 1970 e 1982, as inspirações do Barcelona de Guardiola. Se houvesse Neymar, aquilo seria impossível – ele não aceita ser apenas um nem no reles exercício de um bobinho.
O argentino tem razão por se sentir roubado. Houve pelo menos um pênalti não marcado a favor de sua seleção. O Brasil é o Flamengo do futebol mundial: tirando 1978, não há outro registro de situação em que tenha sido prejudicado, pelo contrário, volta e meia erram ao seu favor. A Argentina é o Galo e Maradona, Reinaldo. Garfados e injustiçados, a despeito de La Mano de Dios. Mas essa é outra história, foi tão somente o troco nos ingleses pela Guerra das Malvinas (son argentinas!).
Ainda que roubado, é fato incontornável que o Brasil jogou futebol pra valer, como há muito não se via, e é inegável que a América do Sul proporcionou uma peleja que só se imaginava possível em outras plagas. O que se passou no Mineirão reacendeu a fagulha de uma torcida que este escriba já julgava morta e enterrada. Não se ouviu das cadeiras a propaganda do banco, “com muito orgulho, com muito amor”. Vaiaram Tite e o presidente da República, é um bom sinal.
O Brasil é melhor sem Neymar, digo, a Seleção Brasileira, mas o Brasil também. Neymar é o retrato melhor acabado de uma era de hipocrisia, da esperteza mais descarada e cada vez mais fora de moda e de lugar. No futuro, quando os historiadores olharem para a nossa época, Neymar e Bolsonaro estarão no mesmo escaninho: aquele do tempo em que o Brasil escolheu a escrotidão. Ganhar a Copa América amanhã, sem Neymar, é de alguma forma um gesto de resistência. Que assim seja!