A Seleção Brasileira (foto) nunca pareceu tanto com o Brasil. Em campo, os homens de amarelo compõem uma alegoria de algo que se perdeu. Alguma coisa que poderia ter sido mas não foi. Alguma coisa que até já foi, mas, sabe-se, nunca mais terá a chance de vir a ser novamente. Não se pode dizer que Brasil e Seleção Brasileira não mereçam ambos esse triste ocaso. Merecem. Merecemos.
A CBF fez o que pôde para destruir o futebol brasileiro. Arruinou e arruína os clubes locais. Incentivou e segue a incentivar a exportação de pés de obra, cada dia mais cedo. Matou a mais bem-sucedida escola do ludopédio mundial, hoje a copiar canhestramente aqueles a quem antes servíamos de inspiração. Aqui tudo é colônia, tudo se entrega, o pau-brasil, o ouro, o minério de ferro, o petróleo, a água, os nossos craques em potencial.
O que é esta Seleção que agora disputa a Copa América? Não há em seu jogo qualquer resquício de uma escola que se assemelhe à escola brasileira, que serviu, por exemplo, ao Barcelona de Guardiola. Não há um único jogador que se possa dizer “brasileiro”, alguém que vagamente nos remeta àqueles que construíram uma história vitoriosa e única, e da qual voluntariamente agora abrimos mão.
Seria Neymar, se estivesse jogando, mas tampouco o “brasileiro” clássico é Neymar. Tínhamos em nós – em Pelé, Garrincha, Ronaldinho Gaúcho – alguma coisa de uma atitude simples, uma inocência quase debochada, que se resumia esteticamente no drible desmoralizante, liso, uma brincadeira de palhaço no picadeiro da vida.
Com Romário fomos marrentos pela primeira vez. Ainda sim, a marra do bom malandro, no limite da desenvoltura carioca, o babaca gente fina, o escroto que a gente gosta. Ronaldo Fenômeno só foi cruzar a linha depois de encerrada a carreira. Neymar é a antítese disso tudo. Tripudia e cai, esperto em sua pequena corrupção. Provoca apenas quando o placar já lhe é favorável. É o escroto em estado de arte. Levamos quase um século construindo, através do futebol, uma certa imagem de Brasil. Neymar a destruiu em uma única Copa. E segue.
Em campo, abdicamos do drible, do improviso, nossa marca registrada. Ocupar o espaço livre com a ginga malandra não é mais uma opção. A ginga, agora, parece que nos envergonha, é como falar inglês com sotaque, imagine, é preciso falar inglês com sotaque inglês. Ou americano. O vira-latismo é nosso traço fundamental.
A certa altura de Veneno remédio, livro do craque José Miguel Wisnik, ele traça um paralelo entre dois povos marcados pelo futebol. O inglês é bom em dar chutão pra frente porque ele, o inglês, é sabedor de que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Por isso vai direto ao ponto, não tergiversa, é prático e pragmático. O brasileiro dribla – driblava – até para trás. É a alegoria de uma sociedade que ginga, que faz que vai mas não vai, que parece que fica, mas, de repente, já foi. E se assim somos penta e eles apenas uma vez campeões, o que significa que, como sociedade, ainda há esperança. Ou pelo menos havia.
No Brasil de 2019, a Seleção masculina é como a Itabira de Drummond, apenas uma fotografia na parede. Cercada por barragens da mineração, prestes a engolir tudo de vez. Assim no futebol como na vida, nossas esperanças estão agora nos pés e nas mãos das mulheres. A revolução é feminista! Pussy Riot! Salve, Marta, a maior de todxs! Que a brasileira lá no estrangeiro mostre o futebol como ele é, e que ganhe a taça do mundo sambando com a bola no pé.