Faz cerca de 10 dias, entrevistei um grande empresário para o Cidade ocupada, meu programa na TV Gazeta de São Paulo. O tema do episódio era o racismo, e Geraldo Rufino é o que se chama de “mosca branca” – um negro em alto posto de comando, coisa tão rara quanto um mosquito albino. Lá pelas tantas, perguntei a ele, um palestrante de razoável sucesso, qual seria sua reação se fosse atacado pelos racistas assim como fizeram com Maju, a mulher do tempo do Jornal Nacional. “Eu trataria essas pessoas com carinho, porque são doentes”, ele me disse. “Eu as convidaria para vir até aqui e lhes daria um abraço.”
Até agora, tudo o que temos tentado é convencer os Cornetas na Veia de sua própria cretinice. Educadamente, explicamos a eles que o Galo não é, nunca foi e (tomara) nunca será uma empresa, torcedor não é consumidor e arquibancada não é SAC. Esse esforço de nada valeu: o sujeito pagou ingresso VIP, a produção que se desdobre para entregar um grande show. Pra esse sujeito criado no Danoninho, com uma mucama pra lhe servir e lavar a privada, não há diferença entre o Galo e um iPhone. Não funcionou, ele devolve. Na impossibilidade de devolver, esperneia. Quando ele era pequeno, deitava no chão do shopping em frente à loja de brinquedos e se debatia: “Eu quero, eu quero!!!”. Depois que cresceu, ele vaia o Atlético.
Eu só fui saber das vaias ao Aguirre quando o jogo terminou. Graças a Deus, eu tinha comprado meu ingresso na Galoucura, onde o maior problema é você achar forças pra pular e cantar 105 minutos ininterruptos depois de ter bebido 800 cervejas na Rua de Fogo. Pra conseguir essa façanha, o sujeito, além de amar o Galo, tem de fazer crossfit e ser capaz de correr pelo menos uma meia maratona. Como o meu caso é só de amor mesmo, no dia seguinte me sentia atropelado por um caminhão. Mas tava com a alma lavada: deixei o peito e a garganta no portão 6, acordei sem os dois e ainda faltando as pernas. De qualquer modo, fizemos a nossa parte.
As torcidas organizadas são sistematicamente atacadas como se fossem organizações criminosas. Mas o sociólogo Maurício Murad, o maior estudioso do assunto no Brasil, diz que os bandidos infiltrados nas organizadas não passam de 7%. Imagine que beleza se esse fosse o percentual de picaretas no Congresso Nacional, no executivo e no controle das grandes empresas que lidam com o dinheiro público. Tava todo mundo salvo.
É preciso valorizar quem vai ao estádio para torcer a favor, e não contra. As organizadas deveriam ocupar os melhores lugares do estádio, como era no velho Mineirão. Os programas de sócio-torcedor deveriam focar a contribuição ao clube e as vantagens e descontos que se obtém quando se faz a adesão. O GNV Black deveria estar no andar de cima, com vista para a festa das organizadas, que estariam distribuídas pelos espaços mais próximos ao campo. Apenas lá no alto ficariam liberados o chope, o uísque, o garçom e o que mais se invente. Aqui embaixo, as faixas e bandeiras dariam a volta no “anel”.
Enquanto isso aí parece um sonho, o negócio é tentar a estratégia do negro Geraldo no trato com os racistas. Cada torcedor de verdade deve escolher um corneteiro vaiador e oferecer-lhe um afago: “Vem cá, meu querido amigo, a vida não está sorrindo pra você? Fica assim não. Eu conheço um psicanalista nota 10, tem também o Rivotril pra aliviar a alma. Tem Viagra, se o problema for dessa natureza. Mas não vaia o Galo, irmão, que isso é igual a vaiar o filho da gente na escolinha de futebol. Vem cá, meu amigo, vem me dar um abraço”.
DA ARQUIBANCADA
Vem cá, meu amigo vaiador, vem me dar um abraço
Mas tava com a alma lavada: deixei o peito e a garganta no portão 6, acordei sem os dois e ainda faltando as pernas
Fred Melo Paiva /Estado de Minas
postado em 27/02/2016 12:00
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