Fernando Diniz durante apresentação à seleção brasileira (Foto: Rodrigo Ferreira)


Fernando Diniz será o técnico da seleção num contrato de um ano, mantendo o cargo como treinador do Fluminense, enquanto Carlo Ancelotti termina seu ciclo no Real Madrid. Apesar dos vários poréns, alguns por debates justificáveis e outros um tanto catastróficos, parece uma grande notícia para o time nacional que, no fim das contas, será cuidado por dois ótimos treinadores neste ciclo.




A CBF foi atrás do técnico italiano como plano único, e topou tê-lo nos dois anos finais da caminhada até a Copa (ainda sem assinar, diga-se). Poderia ter fechado com um treinador há pelo menos um ano, já que o então comandante havia deixado claro que não seguiria na função. Se ele próprio tornou pública sua decisão de sair, poderia conviver com outra, a de um nome acordado para pegar o time depois do Catar. Também é preciso admitir que Ancelotti não é um profissional qualquer, pelo contrário, e que o futebol local não tinha um nome claro e fácil como foi o de Tite em 2016, uma obviedade na comparação com Dunga.

Então surge um problema, escancarado no quarto gol de Senegal num amistoso no último mês, em Lisboa. Ramon, o funcionário da casa que assumiu o time às pressas para uma convocação atrapalhada e no meio da disputa de um torneio de base, não pareceu dar conta de oferecer uma transição segura e com resultados. Um time que ficou entre a chance para jovens, o espaço para destaques do Brasileirão e uma estrutura à semelhança do antecessor não teve muita cara, nem graça. O Brasil então precisa de um técnico por um ano, com seis jogos de eliminatórias no caminho.

Aí que chegamos num primeiro ponto. As decisões no futebol são, via de regra, circunstanciais. E, diante do que se apresentou especificamente no momento, a necessidade de um técnico temporário para jogos de alto nível, como visitar o Uruguai no Centenário e receber a campeã do mundo Argentina, somado ao sinal positivo de Ancelotti, faz todo sentido creditar o momento a Fernando Diniz.  

A CBF demorou, sim, e tratou o primeiro semestre como qualquer coisa. O tamanho do time que administram e a falta de atenção com o que representa a seleção brasileira cobravam uma resposta. A camisa amarela não é um puxadinho para alguém simplesmente fazer uma lista de jogadores. Com Diniz, consegue um treinador de bom nível, que topa o contrato curto, estrutura bons inícios de trabalho, é bem visto pelos jogadores e não desfalca as competições de clubes em andamento, sem precisar romper contrato com o clube. Me parece uma ótima.



 
Dugout
 

O porém


O Fluminense tinha uma escolha. Faltam uns 150 dias para o fim da temporada, e o clube poderia buscar um novo técnico, exigindo exclusividade do profissional, ou topar que Fernando Diniz vai ser convocado pela seleção e, por isso, se ausentar em cerca de 27 dias, três rodadas de eliminatórias que tomam uns 9 dias cada. Na última parada da seleção, o clube teve quatro dias de folga e cinco de trabalho no período sem jogos, assim como o líder Botafogo. No Palmeiras, por exemplo, Abel Ferreira passou seis dias em Portugal.

Ou seja, a cada ida para servir à CBF, o treinador perderá cerca de cinco diárias de treino no clube, e nenhum jogo. Seriam umas 15 sessões daqui até dezembro. Compensa, ainda considerando um possível desvio de foco para analisar convocáveis? O Flu achou que sim, ainda mais recebendo um retorno financeiro que segundo o presidente Mário Bittencourt corresponde à multa de encerramento de vínculo. Acredita que é melhor ter pequenos hiatos aqui e ali do que partir para um mata-mata de Libertadores e todo um Campeonato Brasileiro com o trabalho interrompido.

Volto ao pensamento acima: existem as convicções, mas também as circunstâncias. Na dividida em que se meteram, o clube precisou ponderar, a seleção idem. Acredito que o Fluminense perderia muito sem seu técnico, e apesar de viver semanas menos brilhantes a equipe está na parte de cima da tabela nacional e com perspectiva real de competir bem na disputa continental. Se confia em seu profissionalismo, vale. Acredito ainda que a seleção evita o mal estar de prejudicar o clube e mesmo assim conta com o nome que desejava, ainda que empregado.




Em 1998, Vanderlei Luxemburgo era o mais indicado para substituir Zagallo, e o fez mantendo-se no Corinthians por todo o semestre, até bater campeão brasileiro já perto do Natal. Em 2000, Emerson Leão também topou o chamado da CBF seguindo a caminhada pelo Sport, que se classificou no segundo lugar na Copa João Havelange e caiu nas quartas de final para o Grêmio. São outros tempos, claro, e é incomparável o tamanho da atribuição de um técnico hoje. Mas se assemelham pelo caráter transitório, de não precisar interromper um combinado se não há urgência no outro.

Por isso não sou totalmente contrário ao acúmulo de cargos, e acho que cada caso é um caso. Por um período, sem longas janelas e com a temporada do clube em seu momento mais sensível, pode fazer parte, ainda mais com a dificuldade recente do time nacional em ter a elite dos treinadores. A maioria deles ao redor do mundo não quer nem saber dessa coisa de seleção.
 
Show Player
 

A convocação


Eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa, diz Riobaldo em Grande Sertão: Veredas. Quem acompanha o futebol brasileiro é educado a ter os dois pés atrás. As pessoas não acreditam na idoneidade das convocações da seleção desde que o Brasil jogava de branco nas Laranjeiras há mais de século. Bairrismo, influência de empresário, panela, prejudicar um time, aliviar o outro etc. O torcedor é antes de tudo um conspiracionista.




No caso do Brasil, existe um complicador que ele próprio insiste em não resolver. O campeonato para apenas parcialmente, sem jogos no final de semana porém com rodada no dia seguinte à partida da amarelinha. Por isso, ainda que a Confederação insista em fingir que a questão foi melhor tratada, os times seguem ficando desfalcados por conta do tempo de viagem e da impossibilidade fisiológica de colocar o atleta para jogador em dois dias seguidos. Não dá.

Aqui vão alguns pontos até óbvios. Primeiro que essa agenda seria plenamente ajustável se fosse do desejo do campeonato. O Brasil joga terça e a rodada teria que começar só a partir de sexta. Segundo que em vários momentos dessa situação foram colocados critérios de bom senso, como não chamar jogadores que estão disputando o título ou limitar um número de atletas por clube. Terceiro que a data Fifa já implode os elencos independentemente do chamado brasileiro ­– Arrascaeta, Arias, Pulgar, Piquerez, Goméz e tantos outros jogarão por seus países sendo fundamentais em seus times titulares. Quarto que Ramon, o interino anterior, acaba de atrapalhar as equipes sem nenhum constrangimento maior, e o Palmeiras, por exemplo, perdeu um jogo sem Weverton, Veiga e Rony.

Diante de tudo isso se prolongando por décadas, fica pesado também creditar toda uma questão ética nas costas do responsável da vez. O ajuste do calendário poderia ter sido mais bem feito nos seis anos de estabilidade de Tite, tendo aproveitado um momento de aceitação. Debater interesses cruzados nesse assunto específico soa apenas paliativo, porque não resolverá a questão central. O técnico deveria não desfalcar nem o Fluminense, nem o Flamengo, nem time nenhum. Eles serão desfalcados, ponto, com Diniz, Ancelotti ou um cachorro de técnico.




Quem treina a seleção precisa chamar os jogadores que quer, ponto. No caso brasileiro, ele precisa fazer concessões, e vai ser acusado de atrapalhar ou beneficiar de toda forma. Tite não treinava time nenhum e vivia a mesma questão. O campeonato é um puxadinho desde quando Diniz era jogador.

O time


Fernando Diniz pode fazer muito bem à seleção, e isso parece o bastante. Melhora o nível individual dos jogadores e impacta a confiança coletiva de seus times. É notável o quanto ele provoca um alto nível de intensidade, de movimentação e de autoestima para a construção de jogadas e um jogo pautado pelo domínio técnico, o que costuma cair bem aos jogadores.

É um técnico exigente com seu modelo de jogo, muitas vezes radical até. Propõe elevar a capacidade com a bola de atletas que muitas vezes jamais tinham demonstrado nível para tal, e não faz grande distinção em relação às peças que têm nas mãos. Diniz molda o onze ao seu jeito, ao mesmo tempo que dá liberdade para que os boleiros se sintam bem com a posse em seus pés. É um comandante de assinatura bem definida, rígida.




Talvez o traço mais claro seja a aproximação dos jogadores no setor da bola. No plano do Fluminense, quem recebe já vê a turma chegando, numa obsessão por ter várias possibilidades de passe e procurar o espaço de acordo com o que a jogada está pedindo. Na seleção brasileira que jogou a Copa era impossível, por exemplo, imaginar uma tabela de Vinicius Junior com Raphinha, já que os pontas precisam abrir o campo e esperar o giro da bola para partirem para cima.

É diferente do que faz Ancelotti, mas não de forma tão radical. O italiano é conhecido por ser um ótimo gestor de talentos e um treinador bastante maleável, menos dogmático que vários de seus pares. Vini espera aberto, sim, mas também combina e troca muito mais com Benzema do que fez com Richarlison. Rodrygo muitas vezes é escalado na ponta-direita do Real Madrid e ainda assim mantém a abertura para circular e procurar o jogo sem tanta dureza na ocupação do espaço fixo. É também preciso ponderar que Carlo trabalha com talento abundante (assim como a seleção), enquanto Fernando precisa de um time que coletivamente encontre essa harmonia fina.

Então é claro que haverá mudanças de um trabalho para o outro, mas não vejo o italiano recusando sinais que serão deixados pelo brasileiro. Ainda que existam diferenças nos elencos e nas escolhas, uma espinha do time ­– Alisson, Marquinhos, Casemiro, Rodrygo e Vinicius, além de Neymar – serão provocados ao jogo de Diniz e poderão somar isso ao seu repertório, se juntando ao que trazer o treinador europeu. Diniz, aliás, que é muito criticado por não conseguir manter seus times jogando bem por um período mais longo, por outro lado costuma ser elogiado pelo legado que deixa a seus sucessores nessas combinações e mecanismos.




Entendo a implicação tática em tentar combinar dois treinadores, duas cabeças para um trabalho que ainda nem começou. É um cenário atípico, claro, e nem sabemos se o Brasil estará ganhando ou perdendo, jogando bem ou se arrastando, daqui um ano. Mas não deixa de ser uma boa notícia que a seleção, enfim, será cuidada por dois bons treinadores, capazes de melhorarem o que ficou de uma base eliminada na Copa de forma traumática. Se melar com Ancelotti, o que seria uma vergonha história para a CBF nessa altura, já haverá o trabalho do técnico preferido dentro do cenário brasileiro. Para o que dava para ser, hoje, em julho de 2023, me parece uma aposta bem interessante.