Ederson sofreu quatro gols de Senegal (Foto: Iconsport)

A Confederação Brasileira de Futebol viajou para a Europa com o objetivo de contratar o treinador Carlo Ancelotti, mas acontece que a CBF trabalha com um time de futebol e entre reuniões, tratativas, informações a conta-gotas para a imprensa e perguntas sem resposta existia um jogo marcado contra uma seleção de segunda fase de Copa do Mundo, babando para bater na amarelinha.




Foi uma derrota para Senegal em todos os sentidos. Na qualidade técnica, diante de um time mais bem afinado que em duas bolas de seu craque matou o jogo; nas divididas, uma evidente superioridade nos lances em disputa e no corpo a corpo, sem cautela em matar a jogada com entradas acima daquela média modorrenta de amistosos; e no que quer da vida, um rival muito comprometido com o resultado, interessado em aproveitar o momento do Brasil para vencer um adversário numa jornada que sempre renderá confiança e uma memória para sempre. O resultado de 4 a 2 refletiu o momento dos dois quadros.
 
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Nem é o caso de dizer que o time do técnico interino Ramon foi desorganizado. Começou tentando espetar cinco jogadores na última linha e apostando no balanço para sobrar campo aos pontas, nada muito diferente de Tite. Bruno Guimarães fez a de Casemiro, com Joelinton encostando um pouco à frente. Funcionou em dois lances. Primeiro a posse chegou para Vinicius Jr. cruzar na medida para o gol de Paquetá, e depois foi até Malcom, do outro lado, que achou passe perfeito para Richarlison, que perdeu.

Mas diante de tamanha indefinição nos bastidores, é natural que os jogadores não estejam no maior nível de concentração ou de ajuste coletivo para um jogo deste tamanho. Então não é uma zona, mas é um time de alcance apenas mediano. No xadrez do futebol de hoje, não demoram a surgir as falhas de cobertura, os desencaixes, e a certeza de que não será tão simples correr atrás de um onze do nível de Senegal.




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No contexto de clubes geralmente se diz que o extracampo interfere nas quatro linhas, ainda que esse tema seja um certo tabu em termos de seleção, tanto pela exposição dos jogadores quanto pela própria natureza dessas reuniões pontuais. A equipe tem um técnico que não sabe se amanhã será efetivado, devolvido à base ou efetivado (como interino). Ninguém sabe se é o começo ou o fim de um trabalho, muito menos pode falar sobre o futuro chefe, que todo mundo só conversa em segredo. Difícil tirar um time trincando assim.

Então se nomes de Copa do Mundo como Danilo, Marquinhos, Militão e Paquetá tiveram dificuldades para competir, imagina os novatos Ayrton Lucas, André, Veiga e Rony, num jogo de exigência técnica e física acima do que estão habituados. Quais são as referências, afinal de contas, num elenco que não tem ideia sobre qual será a desse time quando voltar a se ver em setembro? Qual o teto de um grupo chamado sob essas condições contra atletas importantes na elite do futebol e um técnico que acabou de ganhar uma Copa Africana e fazer um Mundial bem decente?

E aqui nem se trata de um exagero. Vale lembrar que a convocação da seleção principal foi feita por um treinador em disputa do Mundial Sub-20, que sobre esse processo se contenta em dizer que é um funcionário da entidade e está sempre pronto para quando o presidente chamar. Agora não é o caso de supervalorizar o placar de um amistoso quase de férias, mas sim de lidar com a imagem que o jogo em Portugal deixa, o de uma equipe que vai precisar reencontrar sua identidade e seu conjunto para as eliminatórias, no caso, a partir do próximo jogo.
 
 
 

Seleção precisa de uma ideia mais clara 


É exagerado o peso que se dá ao técnico neste processo. Ainda que a seleção tenha decidido que o nome mais indicado para tentar ganhar a Copa do Mundo seja Carlo Ancelotti – e tenha informado à imprensa extraoficialmente que já está certo que o italiano assume o comando daqui um ano e pouco –, não é justificável deixar o ambiente às moscas. Com respeito a Ramon, que nitidamente está com uma missão acima do previsto, urge uma ideia mais clara sobre o que fazer com o próprio semestre de seis jogos competitivos, entre eles uma ida ao Uruguai e uma visita da Argentina.




Ao presidente Ednaldo Rodrigues, infelizmente, tinha um jogo no meio do caminho. Não estava nos planos, mas os 90 e tantos minutos da terça-feira falaram mais do que o previsto. Assim é o futebol, sem massagem: quem vai sem firmeza acaba atropelado. A CBF volta da Europa com um cenário negativo criado por ela própria, responsável solitária, de novo e como quase sempre, por uma crise de afeto em relação ao seu distante torcedor.

Enquanto isso, na saída do vestiário em Lisboa, Sadio Mané, o melhor em campo, vestia a camisa amarelinha. Há quem jure que somos arrogantes com futebol. Me parece que o ponto é lidar com essa grandeza, não negá-la.