Carlos Alberto Torres ergue a taça do tricampeonato mundial do Brasil (Foto: O Cruzeiro/Estado de Minas)

No auge do regime militar no Brasil, com perseguições políticas, torturas e mortes de opositores, uma constelação de craques mostrava ao mundo em 1970 que a verdadeira magia do futebol vestia definitivamente as cores verde, amarela e azul. O famoso escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, que em 1958 relacionou o brasileiro ao “complexo de vira-lata”, se rendeu à mistura de talento, técnica e força da equipe tricampeã no México. “Desde o paraíso, jamais houve um futebol como o nosso. Éramos uns pernas de pau, quase uns cabeças de bagre... Mas o Brasil ganhou de todo mundo andando, simplesmente andando. Com nossa morosidade genial, enterramos a velocidade burra dos nossos adversários”, escreveu. 



Time do Brasil postado na final da Copa de 1970, no estádio Azteca (Foto: O Cruzeiro/Estado de Minas)



Lance da vitória do Brasil sobre a Itália, por 4 a 1, no estádio Azteca (Foto: O Cruzeiro/Estado de Minas)



Passados exatos 50 anos da conquista espetacular no México, comemorados hoje, todo o mundo ainda reverencia a Seleção de Zagallo, que conseguiu as proezas de vencer, encantar todos e trazer um legado nunca visto para o futebol moderno.

Aquele time seria considerado o melhor de todos os tempos e trouxe para o país a posse da taça Jules Rimet em definitivo. O fato é que Zagallo, aos 39 anos na época, teve a sabedoria de unir as melhores qualidades dos jogadores para consolidar o impecável grupo, ainda que fossem necessárias muitas etapas até que a conquista realmente se tornasse concreta.

Ironicamente, o título começou a se desenhar quatro anos antes, depois da vexatória eliminação brasileira na primeira fase do Mundial da Inglaterra. Favorito à conquista, o Brasil pecou na desorganização, levou um time envelhecido e despreparado e ainda foi vítima da violência dos adversários – sobretudo Pelé. Havia a necessidade de uma rápida renovação, e, aos poucos, vários campeões saíram de cena: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Zito, Orlando Peçanha e Garrincha vestiram pela última vez a amarelinha.




A escolha do treinador seria outro desafio. Sem uma opção com mais credibilidade, o então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) João Havelange optou pelo nome de João Saldanha, então um dos mais renomados cronistas esportivos da época. Com ele no comando, a Seleção tinha a base de Botafogo, Santos e Cruzeiro e passeou nas Eliminatórias, com show do artilheiro Tostão, que marcou 10 gols: 100% de aproveitamento nos seis jogos.

Mas alguns problemas permaneciam, e uma repentina queda de produção meses antes da Copa do Mundo ameaçava o sucesso da Seleção. Saldanha foi demitido do cargo em 17 de março de 1970, menos de três meses antes da estreia na competição. Sob seu comando, a equipe perdeu apenas uma vez, para a Argentina, em Porto Alegre, mas os últimos resultados antes da demissão não eram nada satisfatórios.


O episódio que envolveu Dadá Maravilha e o presidente Emílio Garrastazu Médici teria sido a gota d'água para o encerramento precoce da história do jornalista com o time – o general fazia pressão para que o atacante do Atlético fosse convocado e o treinador não aceitava. Comunista confesso, Saldanha também tinha problemas de relacionamento com membros da comissão técnica. Muitos diziam, na época,  que o temperamento do treinador, avesso a críticas e rumores, também ajudou em sua saída.




Substituto de Saldanha, o bicampeão mundial Zagallo convocaria Dadá e faria mudanças pontuais para arredondar a equipe no México, na competição que reuniria vários craques ameaçando o trono de Pelé: Bobby Charlton, Luigi Riva, Beckenbauer, Cubillas e Pedro Rocha. O treinador brasileiro ficaria famoso por reunir cinco camisas 10 atuando juntos num único time: Gérson, Tostão, Pelé, Rivellino e Jairzinho.



Se, na teoria, o plano tático deixava dúvidas, o Brasil mostrou na prática que tudo daria certo. Jamais uma Seleção havia feito tão bonito numa campanha de Mundial. Foram seis vitórias (sendo três contra campeões mundiais), com 19 gols marcados e sete sofridos. Pouco a pouco, o Brasil ganhou o coração dos mexicanos à medida que exibia seu futebol exuberante.

Pelé carregado pelos mexicanos após a conquista do tricampeonato mundial no Azteca (Foto: O Cruzeiro/Estado de Minas)



Escolhido de última hora, Zagallo acabou se tornando o primeiro treinador campeão depois de ter conquistado o título mundial nos gramados – Beckenbauer (1990) e Deschamps (2018) igualaram o feito. E Pelé, destaque incontestável do Mundial, colocou seu nome na história ao ser o único a conquistar três vezes o Mundial.