Na imagem, jogadores de Counter Strike: Global Offensive disputam o Campeonato Mundial de Esports 2021, em Eilat, Israel (Foto: AFPTV)



Faz algum tempo que videogame deixou de ser apenas diversão. Para os pro players, que são atletas dos esportes eletrônicos (esports), jogar é um trabalho que exige muita dedicação. Tanto que, para competir em alta performance, os times de esports chegam a treinar mais de 9 horas por dia e são acompanhados de perto por psicólogos e preparadores físicos.



 
 

Os esports, ou ciberesportes, são competições envolvendo jogos eletrônicos. 

Assim como os esportes tradicionais, como futebol ou vôlei, têm regras e objetivos, os esportes eletrônicos seguem o mesmo princípio. Os jogadores precisam trabalhar em equipe para atingir um objetivo, disputando contra outros adversários.

As estrelas dos times de esports são os pro players, como são chamados os jogadores profissionais de jogos eletrônicos. Para competir em campeonatos de alta performance, esses "cyberatletas" precisam se dedicar muito, treinando suas habilidades individuais e o seu jogo coletivo.

Treinamento em alto nível


Dentro dos esports há campeonatos envolvendo jogos de diferentes estilos, como estratégia, luta e tiro, e cada jogo exige habilidades específicas dos jogadores.




Entre os atributos mais importantes exigidos pelos jogos de tiro, com Counter Strike, Valorant e Rainbow Six, estão o reflexo e a velocidade de reação. Assim que o jogador visualiza um adversário na tela, é importante dar uma resposta rápida para não ficar em desvantagem.

Visando aprimorar a capacidade de reflexo dos pro players, alguns times começaram a investir em treinos que, até então, eram voltados para atletas de esportes convencionais, como o uso de óculos estroboscópicos.

Lucas "Lkshow" Soares, jogador profissional de Valorant, teve experiência com esse tipo de treinamento no seu time atual, o Stars Horizon. Para ele, a maioria das equipes passaram a ter esse tipo de treinamento por padrão quando o esport começou a se tornar um esporte de desempenho.




"A gente usou um óculos que piscava e a gente perdia a visão por alguns milissegundos, então, o nosso preparador jogava uma bolinha para você pegar. Você perdia a noção de profundidade. Isso ajudava tanto fora do jogo, quanto dentro do jogo, porque você começa a melhorar a sua resposta e reação", comenta.

A rotina de um time de esports


Delevingne, Kamino (treinador), Dragonite, Dimas, Belky e Lkshow, do time de Valorant da Stars Horizon (Foto: Divulgação)



Lucas "Belky" Belchior é um dos parceiros de time do Lkshow. Juntos de Matheus "Dragonite" Matos, Hiago "Delevingne" Baldi e o reserva André "Dimas" Dimas, eles formam a equipe de Valorant da Stars Horizon, time de esports de Belo Horizonte.

A composição atual da equipe foi formada no começo de 2022. O time disputou, em janeiro, as classificatórias para o VCT Brasil, o equivalente ao Campeonato Brasileiro de Valorant, mas não conseguiu a vaga. O time também participou da AORUS League Brasil, sendo eliminado na fase de grupos pela ODDIK, que veio a ser a vice-campeã do torneio.




Belky conta que em épocas decisivas, como pré-campeonatos ou antes de jogos importantes, o time chega a treinar mais de 9 horas por dia. "A nossa rotina funciona quase igual a qualquer trabalho convencional. Porém, quando se trata de um time que quer alcançar os maiores campeonatos, os campeonatos internacionais, acaba tendo uma dedicação e foco muito maiores e a rotina é mais pesada".

Quando não está treinando, Belky está no seu segundo trabalho como streamer. Na plataforma Twitch, o jogador transmite partidas de Valorant e interage com os espectadores, adicionando mais horas da sua rotina dedicadas ao jogo.

"A rotina é bastante pesada. Precisa muito do seu foco, da sua dedicação. É uma coisa que você faz porque tem um retorno, obviamente, mas você tem que amar muito, porque é muito intensa". 




O time além dos atletas


Para dar suporte aos jogadores na frente dos computadores, há um aparato de profissionais, como psicólogos e até preparadores físicos. Isso porque a rotina intensa usando mouse e teclado por horas pode acarretar problemas nos braços, antebraços, pulsos, mãos e dedos, como tendinite.

Entre esses profissionais do backstage está o Lucas Kenzo "Kamino", coach/treinador do time masculino de Valorant da Stars Horizon. Para ele, a sua função dentro do time pode ser definida como "levar pessoas a lugares que elas não chegariam sozinhas".

"Muita gente acha que trabalhar com jogos, principalmente no cenário profissional, é só entrar no computador e jogar, mas não é bem assim. Requer uma rotina pesada de treino, requer uma disciplina muito grande, requer uma cobrança, e para cada uma dessas questões precisa ter alguém para ajudar. Então entra esse papel de coach".




Antes de entrar para a Stars, Kamino atuou por alguns meses como treinador na equipe portuguesa FTW Esports. Segundo ele, há vários tipos de coach. Enquanto alguns focam em aspectos como disciplina, liderança e motivacional, o estilo dele é mais estratégico.

"A minha linha é estudar o que o pessoal lá fora faz, ver como os times brasileiros estão jogando e, a partir disso, traçar um plano para o meu time entender o jogo e se sobressair com relação aos outros times"

Já durante as partidas oficiais, a relação dos treinadores de esports com o time é diferente do que vemos em esportes como o futebol, onde o treinador fica na beira do campo passando instruções para os jogadores.

"Nas partidas oficiais de campeonato, existe um regulamento que diz que eu só posso falar com os jogadores durante as pausas táticas ou antes da partida. Acaba que a minha função dentro de uma partida oficial permanece a mesma, que é de orientar o pessoal, passar tranquilidade, passar ideias para conseguir entender o jogo do adversário, mas ela se restringe às pausas táticas, que têm a duração de mais ou menos 1 minuto".




A evolução dos esports


Time do MiBR de Counter Strike, campeões do ESWC 2006. A MiBR foi o primeiro time de esports brasileiro a conquistar um campeonato mundial (Foto: Reprodução/ESWC)



Lucas "Belky" Belchior, 27, é o veterano do time. A sua história como jogador profissional começou há mais de uma década. Com apenas 17 anos, chegou a ser jogador profissional de Counter Strike 1.6 em um time do Rio de Janeiro.

Deixou a carreira de pro player de lado após recusar uma oportunidade para jogar em São Paulo e, três meses depois, seu então time foi desfeito. Fora dos esports, chegou a abrir uma hamburgueria com a ex-esposa.

Segundo Belky, houve uma evolução enorme nos esports desde que ele teve a sua primeira tentativa como jogador profissional, mas ainda há muito preconceito e desconhecimento com aqueles que trabalham competitivamente com jogos.




"Quando eu conheço uma pessoa nova e vou trocar uma ideia, me perguntam "o que você faz?". Eu respondo que sou jogador profissional de esports e a pessoa acaba não entendendo, ainda não é uma coisa normal".

Lkshow, seu parceiro de equipe, acredita que para quebrar os preconceitos e atrair novos públicos, é preciso que mais pessoas entendam o que são os esports.

"O futebol, o vôlei, a grande maioria das pessoas sabe como funciona. Os jogos de esports são acompanhados principalmente por jovens, o público adulto ainda não sabe como funciona. E não tem como não gostar, assistir uma competição é sempre bacana, independente do jogo, se é vôlei, Valorant, Counter Strike ou futebol".




O sonho de ser pro player


Antes de ser pro player, LKshow, que é formado em ciências da computação, tinha uma carreira estável na área de T.I, mas após surgir a oportunidade de ingressar em um time de esports, pediu demissão e se jogou nesse que era seu sonho.

Mas segundo ele, só foi possível ter tranquilidade nessa transição para uma carreira tão arriscada e incerta por já ter um ensino superior. O seu conselho para quem quer ser pro player é ter um "plano B".

"Você tem que ter um plano B para caso não dê certo, mas se é seu sonho, você tem que ir de cabeça igual eu fiz. Se é seu sonho você tem que correr atrás e fazer por onde também. Você tem que se esforçar, você tem que saber que não é só o jogo. Você não tem que ser só muito bom, você tem que ser uma pessoa sociável, uma pessoa fácil de trabalhar".




Belky está na sua segunda passagem pela Stars Horizon. O seu primeiro ingresso no time foi em abril de 2021, mas antes mesmo de ser anunciado foi transferido para a Gamelanders, time que dominou o cenário de Valorant no Brasil em 2020 e era um dos sonhos do jogador.

Para Belky, se algum dos seus filhos tivesse o sonho de ser pro player seria "o ápice da felicidade", mas pediria para eles continuarem os estudos.

"Se fosse algo que algum deles quisesse muito, eu iria apoiá-los, porque eu sei o quanto é difícil você fazer algo que um pai ou uma mãe não apoiam. Eu sei, muitos jogadores sabem, e eu alcancei isso aqui basicamente sozinho. Eu tive apoio de amigos, de ex-companheira, mas eu não tive apoio de nenhum familiar, então eu sei o quanto é difícil. Mas iria também cobrá-los do básico, que é o estudo, que é o dia a dia, como as tarefas de casa".




Mesmo com os preconceitos que enfrentou por conta da sua profissão, Belky deixa uma mensagem de apoio para outras pessoas que querem seguir na área.

"Para os jovens em geral, eu falo a mesma coisa: se você tem o sonho de ser pro player, de ser streamer, não desista. Só faça o que tem que ser feito no dia a dia da vida, porque a vida não se baseia só em jogo".