Quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou Belo Horizonte nesta campanha, em agosto deste ano, quem estava na Praça da Liberdade pôde observar de perto uma imensa bandeira da torcida "Direita Azul", do Cruzeiro, com o rosto do candidato. A imagem viralizou nas redes sociais, dando origem a um debate político.
Houve apoio, mas também indignação de torcedores celestes, que questionaram como fanáticos de um clube fundado predominantemente por operários poderiam celebrar o atual incumbente à reeleição.
Houve apoio, mas também indignação de torcedores celestes, que questionaram como fanáticos de um clube fundado predominantemente por operários poderiam celebrar o atual incumbente à reeleição.
Neste momento de polarização, é possível observar outros torcedores e até candidatos associando América, Atlético e Cruzeiro a um espectro político, seja de direita ou de esquerda, atendendo a seus gostos partidários, sem analisar fatos ou bibliografia a respeito.
Para refletir sobre esse assunto, o Superesportes ouviu especialistas na área.
Para refletir sobre esse assunto, o Superesportes ouviu especialistas na área.
De acordo com o professor do IFMG e membro do grupo de estudos e pesquisas em História do Lazer (HISLA), Rodrigo Caldeira Bagni Moura, "a tentativa de alguns políticos de associar a imagem dos times com ideologias ou com a política partidária atual não se sustenta pela historiografia e é fruto da polarização rasteira, arbitrária e mal-intencionada que, infelizmente, temos presenciado na sociedade brasileira nos últimos anos".
Com pensamento semelhante, Marcelino Rodrigues da Silva, que é professor da Faculdade de Letras da UFMG e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA), entende que não há ligação direta entre os partidos e os clubes da capital.
"Acho que não dá para ligar os clubes a correntes partidárias ou políticas específicas, para fazer um alinhamento assim tão direto. Os clubes, é claro, têm uma história social, ligada a determinadas classes e grupos, e isso repercute de alguma forma nas suas tradições e mitologias. Mas não é uma ligação tão direta", pontua Marcelino Rodrigues da Silva.
O professor da UFMG explica que, apesar de origens distintas, América, Atlético e Cruzeiro possuem torcedores de todas as vertentes políticas.
"O América, por exemplo, tem uma história ligada às elites mineiras e belo-horizontinas. Mas isso não quer dizer que ele não tenha torcedores das classes populares, ou mesmo que seus torcedores vindos das elites assumam esta ou aquela posição política", explica Marcelino, sobre o Coelho.
Já acerca do Atlético, ele comenta: "O Atlético foi criado por jovens das elites, mas depois se popularizou, se tornou um clube de massa, com símbolos que remetem a isso. Mas continua tendo forte representação nas elites".
Sobre o Cruzeiro, por sua vez, Marcelino destaca: "O Cruzeiro foi criado pelos membros da comunidade de imigrantes italianos, que eram predominantemente das classes trabalhadoras. Mas alguns deles pertenciam às elites, eram empresários e comerciantes".
Esquerda ou direita?
O professor Rogério Othon, do Departamento de Educação Física e do Desporto da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), lembra que quando Atlético e América surgiram, em 1908 e 1912, respectivamente, não existia a esquerda que conhecemos hoje.
"Ambos foram fundados numa jovem BH (1897) e numa jovem República (1889). Supor ou afirmar que havia algum tipo de inspiração de esquerda é bem forçado, até porque o grande ícone da esquerda socialista no mundo, a URSS (1917), sequer existia. Podemos dizer, com tranquilidade, que o Atlético foi fundado por jovens que haviam conhecido o futebol, então um esporte europeu e elitista, e que o América é originário de um grupo mais velho, ainda que também jovem", diz.
Por sua vez, o Palestra Itália, hoje Cruzeiro, foi fundado em outro momento político, em 1921, ressalta o pesquisador.
"Apesar da pouca diferença de idade para Atlético e América, o advento do Cruzeiro acontece noutra conjuntura histórica. Foi fundado no pós-guerra, quando já não existiam mais os grandes impérios (Russo, Austro-Húngaro, Turco-Otomano). O contexto do Palestra é composto por imigrantes italianos que foram ficando em BH após a fundação da cidade – a ideia era que eles fossem embora após 1897", pontuou.
"Esses italianos foram se desenvolvendo economicamente na cidade, no comércio e nos serviços, e, inspirados nos paulistanos que haviam fundado o Palestra Itália/Palmeiras (1913), a colônia fundou o seu próprio em 1921. Nasceram fortes, com notoriedade social e, por que não, também elitistas", afirma.
"Apesar da pouca diferença de idade para Atlético e América, o advento do Cruzeiro acontece noutra conjuntura histórica. Foi fundado no pós-guerra, quando já não existiam mais os grandes impérios (Russo, Austro-Húngaro, Turco-Otomano). O contexto do Palestra é composto por imigrantes italianos que foram ficando em BH após a fundação da cidade – a ideia era que eles fossem embora após 1897", pontuou.
"Esses italianos foram se desenvolvendo economicamente na cidade, no comércio e nos serviços, e, inspirados nos paulistanos que haviam fundado o Palestra Itália/Palmeiras (1913), a colônia fundou o seu próprio em 1921. Nasceram fortes, com notoriedade social e, por que não, também elitistas", afirma.
Política e futebol: ligações indiretas
O professor Marcelino Rodrigues da Silva destaca que a política e a história social se refletem no futebol mineiro de forma indireta. "As tradições e mitologias dos clubes têm a ver com as questões políticas e sociais, mas elas são deslocadas e ressignificadas no campo simbólico do jogo. As divisões não repetem mecanicamente as divisões políticas e sociais."
Além de uma disputa partidária que ocorre entre os torcedores simpáticos a determinadas correntes políticas, nos últimos anos, Atlético e Cruzeiro disputaram o epíteto de "clube do povo" em Minas Gerais.
Em 2015, a Raposa fez uma ação de marketing em rodoviárias do estado divulgando o plano de sócios popular, então ao custo de R$ 12. "Seja sócio do Time do Povo", dizia a campanha. Os torcedores celestes compraram a ideia e passaram a utilizar o termo de forma constante em conversas e em postagens nas redes sociais.
Naquela época, o Atlético havia lançado uma campanha no aeroporto de Confins. Depois, o alvinegro respondeu e divulgou publicidade em ônibus e na rodoviária de Belo Horizonte. "Você é sempre bem-vindo à Cidade do Galo. O verdadeiro Time do Povo. Desde 1908". Os atleticanos também passaram a se identificar como o time do povo.
Para Marcelino, essas disputas sociais encampadas por clubes e torcedores auxiliam no processo de percepção que temos dos times. "Os significados desses símbolos, tradições e mitologias não são uma coisa pronta ou ligada à essência dos próprios clubes. São construídos pelos discursos sobre os clubes, portanto são objeto de apropriação e disputa. Esses debates nas redes sociais são, com certeza, parte dessa disputa", comenta.
E ele complementa: "Pode ser que, de alguma forma, algum clube ou sua torcida assuma eventualmente um significado mais ligado a uma determinada classe ou posição política. Mas isso acaba sendo, de alguma forma, deslocado pela dinâmica simbólica do jogo, que não é um simples espelhamento da política, tem a sua lógica própria".
Acenos nas campanhas
O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o Cruzeiro é o seu clube em Minas Gerais, mas falou com carinho do Atlético e fez aceno ao América.
"Não é uma eleição fácil, o (Luiz) Dulci (coordenador de campanha) é torcedor do América. Eu lamentavelmente não aprendi a ser atleticano, eu virei torcedor do Cruzeiro. Mas, nesses dias, eu fiquei de certa forma feliz, porque eu vi o pequeno América, um time que frequenta sistematicamente a Série B, um time que ganha uma vez e cai na outra, ganha em um ano e cai no outro, mas eu vi o pequeno América bater no gigante Atlético", disse Lula, em maio.
Por sua vez, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece com camisas de muitos clubes de futebol, incluindo Atlético e Cruzeiro.
O nome dele foi dado pelo pai em homenagem ao jogador Jair da Rosa Pinto, que atuou no Palmeiras nos anos 1940. Apesar disso, o presidente já disse que tem simpatia pelo Verdão e por vários clubes, como Botafogo e Flamengo.
Voltando à bandeira que dá início a esta matéria, o torcedor Fernando Correa, integrante da "Direita Azul", carregava o mastro e disse que o grupo ainda é pequeno. "Somos cruzeirenses de direita. Temos de 200 a 300 integrante".
O Cruzeiro também possui organizadas identificadas com a esquerda, como a "Resistência Azul Popular". Além disso, uma das bandeiras mais tradicionais da "Máfia Azul" foi feita em homenagem ao revolucionário marxista, médico e guerrilheiro Che Guevara, morto em 1967.
O mesmo ocorre com o Galo, que tem grupos de diferentes identidades políticas.
O nome dele foi dado pelo pai em homenagem ao jogador Jair da Rosa Pinto, que atuou no Palmeiras nos anos 1940. Apesar disso, o presidente já disse que tem simpatia pelo Verdão e por vários clubes, como Botafogo e Flamengo.
Voltando à bandeira que dá início a esta matéria, o torcedor Fernando Correa, integrante da "Direita Azul", carregava o mastro e disse que o grupo ainda é pequeno. "Somos cruzeirenses de direita. Temos de 200 a 300 integrante".
O Cruzeiro também possui organizadas identificadas com a esquerda, como a "Resistência Azul Popular". Além disso, uma das bandeiras mais tradicionais da "Máfia Azul" foi feita em homenagem ao revolucionário marxista, médico e guerrilheiro Che Guevara, morto em 1967.
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