Foto de uma final entre Atlético e Cruzeiro no Independência (Foto: Arquivo / Estado de Minas)


São muitas as histórias fantásticas dos clássicos entre Atlético Cruzeiro, a maior rivalidade do futebol mineiro e uma das maiores do Brasil. Os dois clubes, que voltam a campo neste sábado, às 16h30, no Mineirão, pela final do Estadual, já 'decidiram' um campeonato em um posto de gasolina. A história ocorreu em 1959 e foi narrada pelo jornal Estado de Minas, na edição de 24 de março.




Naquele ano, Atlético e Cruzeiro ainda duelavam nos tribunais pelo título do Campeonato Mineiro de 1956. De acordo com o regulamento do torneio estadual, os campeões do turno e do returno se enfrentariam em uma série decisiva. 

No turno, Atlético e Cruzeiro dividiram a primeira posição, com sete vitórias, um empate e uma derrota. Nos jogos de desempate, o Galo levou a melhor sobre a Raposa: dois triunfos (1 a 0 e 3 a 2) e um revés (2 a 0). No returno, o time celeste foi o mais eficiente do torneio (6V, 2E e 1D).  

A fase final ocorreu em melhor de três partidas, todas no ano de 1957, no Independência. O primeiro jogo, em 23 de maio, no Horto, ficou 1 a 1. Pelau balançou as redes para o Cruzeiro; Tomazinho igualou o marcador. No segundo duelo, empate por 0 a 0. Tudo seria decidido no último confronto.


A grande confusão


Antes do terceiro jogo, o Cruzeiro entrou com denúncia no órgão competente da Justiça desportiva pleiteando os pontos do segundo confronto, com a alegação de que o Galo havia escalado o jogador Laércio de forma irregular, tendo o time alvinegro, inclusive, a anuência da Federação Mineira de Futebol (FMF).



O lateral não havia apresentado o certificado de dispensa do Exército e ainda havia questionamento sobre a legalidade de sua inscrição no torneio.

O Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais (TJD-MG) rejeitou a ação do Cruzeiro com a justificativa de que a responsabilidade do erro era FMF, não do Atlético. A decisão do TJD não convenceu os cruzeirenses, que estavam convictos do descumprimento do regulamento pelo rival. 

Mesmo assim, o Cruzeiro foi a campo na finalíssima, em 2 de junho de 1957. O Atlético venceu por 1 a 0, gol de Vaduca. O Galo deu a volta olímpica e comemorou o título.

Inconformada, a Raposa procurou o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Dois anos depois, em 1959, o órgão máximo reconheceu o descumprimento do regulamento pelo Atlético, repassando os pontos do segundo jogo para o time celeste.




Dessa forma, a finalíssima ficou empatada, com uma igualdade e uma vitória para cada lado. Coube à FMF marcar um jogo de desempate, a quarta partida. O Atlético tentou recorrer da decisão, mas não obteve êxito.

A 'decisão' no posto de gasolina

Manchete do Estado de Minas: 'Atlético e Cruzeiro, campeões de 1956' (Foto: Arquivo / Estado de Minas)


EM de 24 de março de 1959 narra um encontro casual entre três dirigentes do Atlético (Nelson Campos, Manoel Linhares, Etiene Castro) e três do Cruzeiro (Fialho Pacheco, Adil Oliveira e Toriano). O assunto tratado foi a definição do título mineiro de 1956.

Em comum acordo, os cartolas entenderam que os dois clubes deveriam ser reconhecidos campeões daquele torneio.

Como pano de fundo, os clubes de Minas Gerais estavam ameaçados pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) de não participar do primeiro Campeonato Brasileiro, em 1959, pois o Estadual de 1956 estava sub judice.




"Na manhã da 6ª feira última, em encontro casual no café de um posto de gasolina na avenida Olegário Maciel, encontraram-se Nelson Campos, Linhares, Etienne, Fialho, Adil de Oliveira e Toriano. E veio à baila, de novo, o velho assunto: 4ª partida, recurso, etc. Os elementos mencionados - de Atlético e Cruzeiro - já no final da conversa declararam-se em dificuldade para enviar suas equipes a campo para a realização da partida. E, ao fim da 'picada', ficaram Etiene e Fialho em palestra, quando este último lembrou a possibilidade de serem proclamados os campeões, o que resolveria o caso. A realidade estava mostrando, dentro da sinceridade de propósitos, sem ferir direitos ou ludibriar o público, que os dois clubes não tinham quadros para enviar a campo em condições estritamente regulamentares", escreveu o jornal.

"Fialho dirigiu o assunto dentro do Cruzeiro, onde Pontes e outros acham honesta a solução. No Atlético, Linhares foi convencido da verdade e Pinto Rennó, do conselho alvinegro, declarava sensata a ideia, afirmando que a diretoria, segundo a última decisão do órgão máximo carijó, tinha plenos poderes para resolver o assunto. O resto foi concluído em velocidade, na Casa das Peças, em reunião definitiva", descreveu o EM.

Posteriormente ao encontro, foi elaborada carta assinada pelas duas diretorias (veja abaixo). A Federação Mineira encaminhou o documento para o Conselho Nacional do Desporto (CND). O presidente Paulo Ramos decidiu que a solução natural era proclamar campeões os dois clubes. Assim, Atlético e Cruzeiro dividiram o título do Estadual de 1956.


Documento assinado por Atlético e Cruzeiro


"Belo Horizonte, 21 de março de 1959.

Federação Mineira de Futebol.

Sr. presidente,

O Clube Atlético Mineiro e o Cruzeiro Esporte Clube, neste ato representado pelos seus diretores abaixo-assinados, o primeiro pelo seu presidente em exercício, Manoel Coelho Linhares, e pelo seu presidente licenciado, Nelson Campos, e o segundo pelo seu presidente, Antônio Braz Lopes Pontes, e pelo seu diretor Felício Brandi, tendo em vista a decisão do Superior Tribunal de Justiça Esportiva da CBD que determinou a marcação da quarta partida para a decisão do campeonato, resolveram, de comum acordo: 

a) considerando, inicialmente, a absoluta impossibilidade material de realizarem dito jogo, face à natural dissoluções dos seus plantéis da época; 

b)considerando, finalmente, a imperiosa necessidade de se encontrar fórmula honrosa que propicie desarmamento de espíritos e maior aproximação entre os clubes dessa entidade, com a volta das atividades normais dos seus campeonatos, vir solicitar, conjuntamente, dessa federação, suas providências no sentido de que seja determinadas as medidas cabíveis no caso, face ao novo impedimento surgido independentemente da vontade dos ambos signatários. 

Na expectativa do seu pronunciamento, subscrevemos, atenciosamente:

Manoel Coelho Linhares - presidente em exercício do Atlético
Nelson Campos - presidente licenciado do Atlético
Antonio Braz Lopes Pontes - presidente do Cruzeiro
Felício Brandi - diretor de futebol do Cruzeiro"