Estádio Olímpico Pedro Ludovico Teixeira sediou competições importantes, mas antes serviu de apoio para tratamento em tragédia (Foto: Governo de Goiás)

Pouco mais de 35 anos após a maior tragédia radioativa do país, cidadãos de Goiânia ainda sofrem com as consequências deixadas por um acidente causado por um descarte incorreto de um aparelho usado em radioterapia.



 
O acidente com o césio 173, em setembro de 1987, causou quatro vítimas fatais e mais duas por forte decorrência da radiação, além de ter deixado consequências em cerca de 1600 pessoas.
 
Durante o período, um dos principais palcos esportivos de Goiânia tem papel fundamental no trabalho de controle do acidente. Muito antes de sediar a Copa do Mundo Sub-20 em 2019 e a Copa América de 2021, o estádio Olímpico Pedro Ludovico Teixeira se tornou uma estação para a checagem dos moradores da área mais atingida pelo acidente.
 
Para entender por qual motivo o estádio se tornou um espaço tão importante é necessário contar a história do acontecimento.



 

O que aconteceu

 
No dia 13 de setembro de 1987, um aparelho usado em radioterapia foi encontrado nas ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), no centro de Goiânia, por dois catadores de ferro velho. Na esperança de ganhar dinheiro, Roberto Santos Alves e Wagner Mota Pereira tiraram o equipamento dali.
 
A dupla tentou desmontar o equipamento no quintal da casa de Roberto, na Rua 57, no Setor Aeroporto. Sem sucesso, levaram a peça de quase 200 quilos para o ferro velho de Devair Alves Ferreira, na Rua 26-A, também no mesmo setor. 
 
Sob marretadas, eles desmontaram o aparelho e encontraram uma cápsula com 19,26 gramas de césio 137. O pó que brilhava no escuro com uma cor azul acabou fascinando Devair, que distribuiu o material a amigos e familiares pensando que fosse algo precioso. Mal sabia ele o que estava por vir. 



 
A partir desse momento, pessoas que tiveram contato direto com o césio 137 começaram a sentir tontura, náuseas, vômitos e perda de cabelo. Enquanto isso, o material se alastrava pela cidade, com a ajuda do irmão de Devair, Ivo, que levou parte para o Setor Norte Ferroviário.
 
Enquanto a população lotava os hospitais com os mais diversos sintomas, foram necessários 16 dias para que o governo entendesse do que se tratava a ocorrência. O físico Walter Mendes Ferreira foi o primeiro a perceber o que estava causando os problemas e alertou o governo estadual no dia 29 de setembro.
 

O papel do estádio Olímpico

Crianças passando por triagem no estádio Olímpico durante acidente do césio 137 (Foto: CARA)

 
 
Após a confirmação da presença de material radioativo em Goiânia, o estádio Olímpico Pedro Ludovico Teixeira se tornou o ponto principal para o monitoramento da radiação em pessoas.



 
O estádio foi uma escolha óbvia por estar a apenas dois quarteirões da casa onde foram feitas as primeiras tentativas de extrair algo valioso da cápsula encontrada no aparelho. 
 
As pessoas faziam filas na porta do estádio para passar por detectores de radiação. Quase 113 mil moradores foram monitorados no local, com 249 deles sendo vítimas de contaminação. Os casos mais graves foram enviados ao Hospital de Doenças Tropicais (HDT).
 

A tentativa (em vão) de salvar os mais afetados

 
No dia seis de outubro, pessoas em situação grave precisaram ser levadas ao Rio de Janeiro para receber tratamento especial no Hospital Marcílio Dias: os catadores do ferro velho Roberto Santos Alves e Wagner Mota, o dono do ferro velho Devair Alves, a esposa Maria Gabriela e a sobrinha Leide das Neves, a paciente mais grave.



 
Leide das Neves, de seis anos de idade, e Maria Gabriela, 29, faleceram no dia 23 de outubro. Poucos dias depois, dois funcionários de Devair também não resistiram: Israel Batista dos Santos no dia 27 e Admilson Alves no dia 28.
 
Devair faleceu sete anos depois do acontecimento em decorrência do “brilho da morte”, como chamava o césio 137. Ivo, irmão de Devair e pai de Leide, morreu em 2003.
 

O dia de hoje

Local em que ficava a casa onde catadores tentaram abrir máquina que continha césio 137 (Foto: Matheus R. Ribeiro/Superesportes)

 
 
Hoje, o terreno da Rua 57 em que ficava a casa se encontra concretado com um mural de grafite.
 
Durante a visita da reportagem do Superesportes, um carro estava estacionado no local enquanto um idoso fazia a sua caminhada matutina e uma criança andava de bicicleta sem precisar se preocupar com os perigos da rua.



 
Caso a pessoa que passe pelo local não saiba nada sobre o assunto, é basicamente impossível notar que o local foi um dos pivôs de uma das piores tragédias da história brasileira.
 
As pessoas que foram afetadas pela tragédia seguem recebendo um importante tratamento no  Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados (CARA) Leide das Neves, nomeado em homenagem a uma criança que foi a vítima do acidente com a maior dose de radiação.
 
O CARA também é fundamental para preservar a história do acidente. No local, existe um acervo com fotos de momentos importantes do atendimento ao público, assim como material para pesquisa sobre os acontecimentos.



 
Nos últimos anos, vítimas do acidente têm reivindicado um memorial sobre o acontecimento, com a motivação de que ele não caia no esquecimento, mas nenhuma tentativa tem avançado.
 
A última aconteceu em 2020, quando um grupo de alunos e professores da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO) e um representante da Associação de Moradores do Setor Aeroporto apresentaram uma maquete de um memorial ao secretário de Cultura do estado, Adriano Baldy.
 
A proposta envolvia a construção de um complexo na área do antigo ferro velho, área de 830 metros, que está totalmente descontaminado, de acordo com laudo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
 
No entanto, o projeto parou por aí.