Pelé dá uma bicicleta no jogo entre Santos e Corinthians, no Morumbi, em 8 de junho de 1969. Peixe venceu o confronto por 3 a 1 (Foto: 08/06/1969 - ARQUIVO/AE)


Técnica, habilidade, controle motor excepcional, noção de tempo e espaço privilegiada, antevisão dos movimentos próprios, dos adversários e dos companheiros. As muitas qualidades com as quais Pelé elevou o futebol ao estado da arte são resumidos no balé inventado pelo Rei para executar a bicicleta, uma das jogadas mais difíceis de uma partida.





O movimento foi posto na prancheta do Laboratório de Biofísica da Universidade de São Paulo (USP) anos atrás e a conclusão foi surpreendente: aquele ser humano inventou uma forma de usar com quase 100% de eficiência a energia do corpo num átimo de segundo.

O ex-coordenador do laboratório, Marcos Duarte, realizou um estudo para analisar uma das diversas contribuições do ídolo a seu esporte. "A bicicleta era só um exemplo da maestria e do domínio de Pelé sobre o futebol".

Segundo ele, o Rei maximizou a eficiência da bicicleta no esporte. "Na física, existe um movimento eficaz para cumprir um objetivo. Os elementos adicionados por Pelé tornaram a bicicleta mais eficiente."



De acordo com Duarte, o principal elemento que tornou a bicicleta de Pelé mais eficiente do que as demais era o ato de cruzar as pernas no ar, realizando movimentos angulares complementares, semelhantes aos de uma tesoura.

A curiosidade do físico da USP era se os movimentos que o craque executava eram diferentes apenas na estética ou se eles, principalmente o de cruzar as pernas no ar, tinham uma função determinada. O estudo apontou que a segunda hipótese estava correta. "Do ponto de vista mecânico, existe uma função em você elevar a perna que não vai chutar primeiro e, então, no ar, cruzar as pernas", explica.

Uma série de fatores comprova a eficácia da bicicleta aprimorada. "Essa cruzada de pernas permite um equilÍbrio melhor do atleta no ar. Isso faz com que o atleta possa executar melhor o movimento. Além disso, a 'tesoura' amplia a capacidade de colocar força no chute."



Assim, a bicicleta do Rei não era simplesmente mais bela, em termos estéticos, do que as feitas pelos antecessores, mas, sim, perfeita do ponto de vista físico.

"Embora o Pelé não tenha sido o inventor do movimento, ele foi, sim, o inventor do que podemos chamar de bicicleta ideal, ou a bicicleta perfeita", diz Duarte. "A beleza dos movimentos ajuda, inclusive, na diferenciação do que é uma bicicleta autêntica, em comparação às variações desse movimento. Cruzar as pernas no ar caracteriza a autêntica bicicleta."

Apesar de não haver estudos científicos específicos sobre Pelé, Duarte afirma que é possível realizar análises qualitativas acerca do desempenho do Rei.



"O desempenho dele sugere que ele tinha um nível atlético excepcional, em termos de força, de raciocínio e de tomada de decisão, como nenhum outro jogador", avalia. O conjunto englobando capacidade física e técnica foi o que credenciou o Rei a ser o maior futebolista de todos os tempos. "Maradona, por exemplo, pode ter sido mais habilidoso no controle com a bola. Mas ele não tinha porte atlético para ser como Pelé", compara o professor.

Para Duarte, a lacuna científica existente sobre Pelé é irrelevante. "Muito mais importante do que explicar a física da bicicleta é frisar que o Pelé era um gênio. A bicicleta foi apenas mais um exemplo da maestria e do domínio do Pelé sobre o futebol. No caso, a bicicleta serve como um estudo quantitativo, do ponto de vista da ciência, que verifica essa genialidade dele."

O inventor


Nascido na Espanha, Ramon Unzaga foi o inventor do movimento. Aos 12 anos, ele se mudou para o Chile, onde aplicou a primeira bicicleta, em 1914. Pela repetição da jogada em partidas da Seleção do novo país, a jogada ficou conhecida na América Latina como Chilena. No Brasil, um dos primeiros a realizar o movimento foi Leônidas da Silva, em meados da década de 1930.

Reportagem de arquivo de autoria de Fábio Ivo Monteiro - Correio Braziliense