Tema tabu há muito tempo entre atletas de alto rendimento, a depressão aos poucos vem sendo externada com mais frequência por aqueles que a sofrem. Foi o caso do meio-campista Matheusinho, ex-jogador do América. Nessa segunda-feira (18), o jovem de 23 anos publicou em suas redes sociais uma mensagem relatando o momento mais desafiador de sua vida. Mas o ex-Coelho não é caso isolado nesse cenário. Nos últimos anos, tem aumentado o número de profissionais que revelam a luta contra questões de saúde mental.
Como Matheusinho, outros grandes nomes do futebol brasileiro passaram pelo mesmo problema de saúde e tornaram pública sua luta contra a depressão. Foi assim com os ex-atacantes Nilmar (ex-Internacional), Ronaldo Fenômeno (ex-Corinthians) e Thiago Ribeiro (ex-Cruzeiro); o ex-meia Pedrinho (ex-Vasco) e o ex-lateral-direito Cicinho (ex-Atlético).
Até chegar ao Santos, em julho de 2017, Nilmar ficou 14 meses sem jogar. Em 66 dias no novo clube, fez apenas duas partidas. No total, ficou apenas 39 minutos em campo. Semanas depois, ele pediu a suspensão do contrato, alegando estar atravessando problemas psicológicos.
A doença também foi o grande adversário de Thiago Ribeiro. O atacante foi diagnosticado com depressão em 2013, na primeira passagem pelo Santos. Por nove meses, fez tratamento com antidepressivos, mas de nada adiantou. Perdeu concentração, reflexos, sono e apetite.
“Você sente uma tristeza, parece que nada te deixa feliz, nada te deixa animado. Tem gente que pensa que isso é frescura, que é coisa da cabeça da pessoa. Mas quem passa sabe que não é. Em duas semanas eu perdi sete quilos”, relatou o ex-atacante do Cruzeiro.
Essa situação também aconteceu com Ronaldo Fenômeno, ex-atacante da Seleção Brasileira, entre 1999 e 2002. À época, o mundo acompanhou a luta do craque para voltar ao futebol, sem imaginar que, além das dores no joelho, ele convivia com a depressão.
“Era muito difícil a incerteza, porque era uma lesão sem procedentes. Então, a gente não tinha referência de como fazer o tratamento, e essa incerteza diariamente era terrível. Mas aí você vai vendo a evolução do seu quadro, e isso vai te dando esperança. Eu acho que você tem que se apegar às coisas positivas da recuperação, manter o foco”, disse Ronaldo ao programa Esporte Espetacular, da
TV Globo
, em 2017.
O caso de Pedrinho foi bem parecido com o do Fenômeno. O ex-meia passou por três cirurgias no joelho ao longo da carreira. Foram quase três anos no departamento médico. Ele revelou que, no auge da doença, chegou a tomar 12 comprimidos por dia. Para piorar, havia também a cobrança e a pressão de alguns torcedores e dirigentes, que sugeriam que ele não jogava por falta de vontade.
“Você ter que provar honestidade é muito ruim, né? Tem que ficar provando que está machucado, que aquilo é real, que está com depressão. É difícil ter cabeça para conviver com essa situação. Só que é assim, é o preço que a gente paga”, desabafou.
Com Cicinho, a situação foi diferente. Rapidamente, o jogador, que se destacou com o Atlético em 2002, virou ‘galáctico’ do Real Madrid. No melhor momento da carreira, mergulhou num grande vazio. Então, trocou o futebol pelas festas. Perdeu contratos e voltou ao Brasil, onde encarou a dura realidade. Ainda no São Paulo, foi diagnosticado como alcoólatra.
Trabalho psicológico
Na visão do psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, todos os atletas devem ser monitorados de perto pelos profissionais dos clubes em que atuam. Devido à intensa exposição no mundo do futebol, esses jogadores precisam ter uma estrutura psicológica e emocional bem desenvolvida para dar conta das exigências do meio.
“O futebol tem uma vitrine, uma demanda social muito elevada diante de outras modalidades de esporte. O futebol atrai muita paixão e expectativa, e os atletas precisam ter uma estrutura psicológica emocional bem desenvolvida para dar conta de todas essas exigências”, declarou ao
Superesportes
.
Cozac conta que os casos de depressão no esporte aumentaram muito, principalmente nas últimas duas décadas. Os principais causadores da depressão, segundo ele, passam por mudanças bruscas na rotina dos atletas.
“De 20 anos para cá, aumentaram demais os casos de depressão no futebol, muitas vezes por conta de mudanças de países. Os jogadores vão morar muito distantes, têm problemas de ambientação com clima, idioma, parte alimentar, e não conseguem ficar longe de seus familiares do Brasil. Esses jogadores começam a desenvolver quadros de melancolia e tristeza. E, não raro, esses casos acabam evoluindo para um quadro depressivo mais agudo e delicado”, pontuou.
“Os clubes devem estar mais atentos a esses sinais que não deixam de ser uma questão de saúde pública e de responsabilidade social e institucional das organizações”, concluiu.
Drama familiar
Em contato com o Superesportes , o empresário de Matheusinho revelou que o ex-jogador do América passa por situação semelhante à descrita por João Ricardo Cozac . Ele vive um ‘drama familiar’ desde setembro do ano passado, quando foi vendido pelo Coelho ao Beitar Jerusalém, de Israel – clube detentor de seus direitos econômicos. No país do Oriente Médio, o meia vive longe da família, que está no Brasil.
O staff do jogador tem tentado, insistentemente, a liberação para que parentes do jovem possam viajar a Israel, mas, desde sua negociação, isso não ocorreu.
Diante desse cenário, o empresário de Matheusinho também estuda possibilidades para um retorno ao país de origem ainda no fim de 2021.
Monitoramento
Cozac destaca que é muito importante que o psicólogo esteja presente nos trabalhos realizados pelos jogadores nos centro de treinamentos dos clubes. O monitoramento deve ser feito com muita precisão. Ao menor sinal de mudança na saúde mental, os profissionais devem interferir.
“É muito importante que o psicólogo frequente treinos, tenha acesso ao vestiário e concentração para estar junto dos atletas, assim como os demais profissionais. A gente trabalha também com tecnologias chamadas biofeedback e neurofeedback, que são aparelhos que usamos para ensinar os atletas a reduzir um pouco os sinais de ansiedade. Outros são usados para melhorar concentração, foco, atenção e a tomada de decisão”, explicou.
“De posse das informações, do contato do dia-a-dia no trabalho da comissão técnica, a gente também faz o trabalho de motivação, que pode ser através de dinâmicas de grupo ou palestras associadas às necessidades da equipe”, finalizou Cozac.
Entre os times mineiros, América e Atlético não possuem um psicólogo ligado à estrutura das equipes profissionais. O Cruzeiro não respondeu os contatos feitos pela reportagem. Normalmente, os profissionais que cuidam da saúde mental dos atletas são mais atuantes nas categorias de base dos clubes, durante a formação dos atletas.