Relatório da Fifa e da FIFPro (Sindicato Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), publicado neste domingo (19), revelou que a Copa do Mundo de 2022 teve 19,6 mil publicações ofensivas detectadas nas redes sociais, que partiram de 12,6 mil contas únicas.
A pesquisa revelou outro dado alarmante: 74% destes comentários discriminatórios foram feitos na Europa (38%) ou na América do Sul (36%). Ou seja, sete em cada dez posts vieram dos dois continentes, que contêm aproximadamente 1,2 bilhão de habitantes, cerca de 15% da população mundial.
É verdade que os países sul-americanos e europeus concentram boa parte das populações mais apaixonadas por futebol no mundo, o que pode justificar a desproporção nos números e nas manifestações preconceituosas nas mídias sociais, mas o problema não se resume a isso.
Para além da discriminação em si, parte da denúncia do relatório está relacionada ao próprio ambiente em que as discriminações ocorrem, avalia Marcelo Carvalho, criador e diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
– O espaço da internet dá a sensação de impunidade para as pessoas, de que elas estão como se fosse em uma multidão, e que não vão ser identificadas e nem descobertas - afirma Carvalho ao Superesportes.
Segundo o relatório, 290 mil comentários ofensivos contra atletas foram ocultados automaticamente ao longo do Mundial no Catar.
— Os números e descobertas desse relatório não são nenhuma surpresa, mas são imensamente preocupantes. Representam um forte alerta para todos os envolvidos no nosso jogo, e devem levar ao estabelecimento de medidas preventivas e soluções para os jogadores que vêm progressivamente sofrendo essas ofensas - afirmou David Aganzo, presidente da FIFPro.
Dos responsáveis pelos comentários ofensivos, discriminatórios ou em tom de ameaça, 306 foram identificados, segundo o relatório. Estas informações serão compartilhadas com as autoridades da lei e associações pertinentes a fim de se assegurar “ações no mundo real” contra os responsáveis pelas ofensas, completa a entidade.
Redes sociais ajudam pouco
O diretor do Observatório observa outro atraso nas resoluções aos crimes de ódios cometidos no ambiente da internet: a inércia das empresas que administram as redes sociais.
– As detentoras das redes sociais Instagram e do Facebook – a Meta – e o Twitter acabam não identificando esses perfis. Não trabalham para identificar porque um perfil pode ganhar visibilidade através do ódio. Temos visto isso no Brasil: tu faz uma fala preconceituosa, um discurso de ódio, e acaba ganhando seguidores. Por isso a rede social se transformou infelizmente em um lugar propício a todos esses tipos de violência - critica Marcelo Carvalho.
Segundo os responsáveis pelo estudo, as plataformas têm lidado melhor com alguns incidentes, “mas ainda há uma abordagem altamente esporádica para lidar e remover o conteúdo relatado”. As redes sociais avaliadas pelo relatório, vale citar, foram o Instagram (43%), o Twitter (26%), o Facebook (24%), o Tiktok (6%) e o YouTube (1%).
Como exemplo de bom trabalho, Carvalho cita a posição da federação inglesa de futebol e da Premier League perante os ataques a atletas da Inglaterra na Eurocopa de 2024.
As entidades se uniram para identificar perfis com casos de discriminação, pressionar e informar as plataformas responsáveis pelas redes sociais, lembra ele.
– No Brasil, por exemplo, de tudo que a gente vê de fala de combate ao racismo no futebol, no esporte, nunca se viu nada direcionado às redes sociais. Falta esse olhar também quando a gente fala em combater o racismo, não é só o xingamento dentro de campo, porque a gente já viu que o racismo está em outros espaços, como a internet - comenta.
No relatório publicado no domingo, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, engrossou o coro em relação às redes sociais sobre o papel das plataformas no combate às publicações de ódio.
— Esperamos que as plataformas das redes sociais aceitem sua responsabilidade e nos apoiem na luta contra todas as formas de discriminação. Nossa posição é clara: nós dizemos não à discriminação - atestou Infantino.
Formas de discriminação identificadas
Abuso em geral - 26,24%
Posts abusivos de cunho sexual - 17.09%
Sexismo - 13,47%
Homofobia - 12,16%
Racismo - 10,70%
Violência - 5,62%
Capacitismo - 2,07%
Islamofobia - 1,94%
Copa do Mundo feminina terá o mesmo sistema
A Fifa informou, ainda, que a Copa do Mundo feminina de 2023 terá o mesmo sistema para identificar os responsáveis pelos comentários ofensivos.
O Mundial ocorrerá de 20 de julho a 20 de agosto, na Austrália e na Nova Zelândia.
De acordo com a entidade, várias seleções participantes já concordaram em implementar o modelo de moderação deste serviço para limitar os abusos online imediata e automaticamente.