A notícia da venda de 90% das ações do Cruzeiro SAF ao ex-jogador Ronaldo agitou a imprensa esportiva internacional. O acordo é para que o Fenômeno, por meio de sua empresa, a Tara Sports, aporte R$ 400 milhões no clube nos próximos anos e viabilize o pagamento da dívida da associação civil, hoje calculada em R$ 1 bilhão (pode diminuir conforme o andamento das negociações com os credores). Por causa dessa combinação, o head de investimentos da XP, Pedro Mesquita, declarou que a operação total é de R$ 1,4 bilhão.
A peculiaridade da negociação é o fato de Ronaldo ter começado a carreira no Cruzeiro, aos 16 anos, em 1993. Pela Raposa, ele atingiu média de quase um gol por jogo - 56 em 58 partidas - e sacudiu a torcida no com dribles e arrancadas. Após consolidar o estrelato mundial por PSV Eindhoven, Barcelona, Inter de Milão, Real Madrid, Milan, Corinthians e Seleção Brasileira, o ex-camisa 9 retorna à Toca 27 anos depois na condição de sócio-proprietário e trabalha para recolocar a equipe na Série A em 2022.
Ex-jogadores donos de clubes de futebol
Outras transações no mundo da bola não tiveram influência de uma possível ligação emocional entre investidor e instituição. É o caso da aquisição do Chelsea, da Inglaterra, pelo bilionário russo Roman Abramovich, que fez fortuna no setor de petróleo com a empresa Sibneft - vendida em 2005 à Gazprom, estatal da Rússia, por US$ 13 bilhões. O magnata concordou em fechar a operação em julho de 2004 após os Blues se classificarem à Liga dos Campeões da Europa.
Pelo controle majoritário do Chelsea, Abramovich pagou 140 milhões de libras esterlinas. Na cotação de 18 anos atrás, o montante equivalia a R$650 milhões, que, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), correspondem a R$ 4,4 bilhões em 2021. Nada que assuste o patrimônio do empresário russo, na casa de US$ 14,2 bilhões (R$ 81,2 bilhões), segundo a revista Forbes.
Em quase 18 anos sob o comando de Roman, o Chelsea deixou de ser um clube médio no país e se firmou entre os postulantes aos títulos. Nesse intervalo, venceu cinco edições do Campeonato Inglês (de um total de seis), cinco da Copa da Inglaterra (de um total de oito), três da Copa da Liga Inglesa (de um total de cinco) e duas da Supercopa da Inglaterra (de um total de quatro), além de duas Ligas dos Campeões e duas Ligas Europa.
Quem trilhou caminho semelhante ao do Chelsea foi o Manchester City, que até o início dos anos 2000 era o “primo pobre” do rival United. Em 2008, o empresário emiradense Khaldoon Al Mubarak, dono de uma fortuna de US$ 30 bilhões (mais de R$ 170 bilhões), aportou 210 milhões de libras por 100% das ações do clube.
Embora não tenha comemorado um título internacional até o momento, o City ampliou sua sala de troféus com cinco edições do Campeonato Inglês (de um total de sete), duas da Copa da Inglaterra (de um total de seis), seis da Copa da Liga Inglesa (de um total de oito) e três da Supercopa da Inglaterra (de um total de seis).
O investimento no Manchester City deu origem ao City Group, controlador de outras instituições esportivas: Girona (segunda divisão da Espanha), Lommel SK (segunda divisão da Bélgica), Bolívar (primeira divisão da Bolívia), Troyes (Ligue 1, da França), New York City (MLS, Estados Unidos), Montevideo City Torque (primeira divisão do Uruguai), Melbourne City (primeira divisão da Austrália), Yokohama Marinos (primeira divisão do Japão), Sichuan Jiuniu (segunda divisão da China) e Mumbai City (India Super League / Índia).
O Manchester United também foi vendido a um bilionário, o americano Malcolm Glazer, por 790 milhões de libras entre 2003 e 2005. O clube até obteve resultados expressivos, como cinco títulos da Premier League e um da Liga dos Campeões da Europa. No entanto, desde a saída do CEO David Gill e a aposentadoria do técnico Alex Ferguson, em 2013, os Red Devils ficaram longe do topo.
Com a morte de Malcolm Glazer, aos 85 anos, em 2014, a gestão do United passou para os filhos Avram e Joel, cuja fortuna é calculada em US$4,7 bilhões (quase R$27 bilhões). Torcedores do Manchester não veem a família Glazer com bons olhos por entenderem que há preocupação exclusiva em apresentar balanço financeiro positivo, em vez de brigar por troféus de relevância.
Também na Inglaterra, o acordo para a venda do Liverpool ao grupo New England Sports Ventures (NESV), dos Estados Unidos, foi fechado por 300 milhões de libras em outubro de 2010. Na ocasião, os Reds acumulavam dívidas de 237 milhões de libras, a maioria junto ao Royal Bank of Scotland. Já a aquisição de 70% das ações do Paris Saint-Germain, da França, pela QSI (Qatar Sports Investment), do Catar, movimentou “apenas” 50 milhões de euros (R$114,5 milhões na época) em maio de 2011.
Veja outras negociações de clubes pelo mundo
Roma, da Itália
Um grupo de investidores americanos liderado pelo executivo Thomas DiBenedetto comprou 60% das ações da Roma por 70 milhões de euros em agosto de 2011. Os 40% restantes ficaram com o banco Unicredit.
Valladolid, da Espanha
Antes de comprar as ações do Cruzeiro, Ronaldo já investia no Valladolid, da Espanha, pelo qual pagou 30 milhões de euros (R$141 milhões em setembro de 2018) parcelado em vários anos por 51% do clube. Posteriormente, adquiriu mais 31% e alcançou 82% de participação.
FC Andorra, da Espanha
O zagueiro Gerard Piqué, do Barcelona, comprometeu-se a investir 600 mil euros no FC Andorra, sediado em Andorra, mas que joga a terceira divisão do Campeonato Espanhol. O acordo foi assinado em dezembro de 2018.
Bragantino, do Brasil
A companhia de bebida energética Red Bull, da Áustria, comprou o Bragantino por R$ 45 milhões em março de 2019 e alterou toda a identidade visual do clube. No mesmo ano, o Massa Bruta conquistou o título da Série B e subiu à elite do Campeonato Brasileiro, na qual ficou em 10º, em 2020, com 53 pontos, e 6º, em 2021, com 56. Também alcançou a final da Copa Sul-Americana de 2021, sendo derrotado pelo Athletico-PR.
Inter Miami, dos Estados Unidos
David Beckham, ex-meia de Manchester United, Real Madrid e Seleção da Inglaterra, desembolsou 11 milhões de libras (R$81 milhões) para se tornar sócio do Inter Miami, em fevereiro de 2021. O clube participa da Major League Soccer (MLS), dos Estados Unidos.
Newcastle, da Inglaterra
Um fundo da Arábia Saudita responsável por gerir mais de US$ 400 bilhões (R$2,3 trilhões) aportou 300 milhões de libras (R$2,2 bilhões) na compra do Newcastle, da Inglaterra, em outubro de 2021.
Cruzeiro SAF
Uma das primeiras tarefas de Ronaldo como sócio-proprietário da SAF do Cruzeiro será viabilizar o pagamento de mais de R$ 20 milhões para encerrar o transfer ban na Fifa e liberar o registro de reforços no BID da CBF. O clube está devendo Defensor, do Uruguai, e Mazatlán, do México (antigo Monarcas Morelia), pelas aquisições dos jogadores Arrascaeta e Riascos, em 2015. O Fenômeno também assegurará salários em dia, de modo que o time tenha tranquilidade em brigar pelo acesso à Série A.
Ao adquirir 90% das ações da SAF do Cruzeiro, Ronaldo decidirá o destino das receitas do futebol: televisão, premiação, patrocínio, publicidade/marketing, produtos licenciados, vendas de direitos econômicos de jogadores, etc. Já a associação civil continuará detentora dos patrimônios, como as Tocas da Raposa I e II, o prédio onde funcionava a sede administrativa na Rua dos Timbiras e os clubes de lazer do Barro Preto e da Pampulha.
O Cruzeiro SAF repassará 20% de suas receitas mensais, além de 50% de um eventual lucro, para quitar dívidas do CNPJ antigo. Ou seja, caso a Sociedade receba R$25 milhões por mês – R$ 300 milhões ao ano – R$ 5 milhões irão para o Regime Centralizado de Execuções (totalizando R$ 60 milhões). Assim, o desafio do clube-empresa será sempre manter uma despesa que corresponda a no máximo 80% do faturamento.
No Valladolid, Ronaldo reduziu a dívida de 63 milhões de euros para 45 milhões de euros (R$291 milhões) – a maior parte em longo prazo –, bem como elevou o faturamento de 18 milhões euros para 54 milhões de euros (R$350 milhões). Apesar da boa gestão financeira da empresa do Fenômeno, o clube acabou rebaixado em 2020/2021 e hoje ocupa o quinto lugar na Segunda Divisão da Espanha, com 37 pontos em 21 rodadas.
Vale lembrar que o Valladolid é um time de poucos resultados expressivos na Espanha – ganhou três vezes a Segunda Divisão (1947/48, 1958/59 e 2006/07), além de ter sido quarto colocado na Primeira Divisão em 1962/63 e vice-campeão da Copa do Rei em duas edições – 1949/50 e 1988/89. Diferentemente do Cruzeiro, dono de duas Copas Libertadores da América, quatro Campeonatos Brasileiros e seis Copas do Brasil.
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