Zezé Perrella, presidente do Cruzeiro em 2002, ao lado de Ademar Magon, diretor financeiro da Hicks Muse no Brasil. Em entrevista, eles explicaram a venda do lateral-esquerdo Sorín à Lazio, da Itália (Foto: Maria Tereza Correia/Estado de Minas - 18/03/2002)


O Cruzeiro já teve uma espécie de SAF entre 1999 e 2002, quando firmou parceria com o fundo americano Hicks Muse Tate & Furst, que também investiu no Corinthians. O ex-presidente Alvimar de Oliveira Costa, à época vice de seu irmão, Zezé Perrella, relembrou a negociação. Segundo ele, foi criada uma empresa chamada Cruzeiro Licenciamento, com 51% das ações do clube e 49% da HMTF.




“Tivemos exemplo no Cruzeiro em 2000. O Cruzeiro teve parceria com a Hicks Muse. Não sei se o torcedor ainda se recorda, mas esse mesmo investidor investiu no Corinthians. Outro investidor, o ISL (International Sport and Leisure), da Suíça, investiu no Grêmio e no Flamengo. Mas o controle ainda era do clube, 51%. Foi criada a Cruzeiro Licenciamento”, disse Alvimar, ao avaliar os efeitos da mudança estatutária que permite ao Cruzeiro vender até 90% de suas ações na SAF.

Dazn


O contrato do Cruzeiro com a Hicks Muse foi assinado em outubro de 1999 e entrou em vigor em 1º de janeiro de 2000. O fundo repassou R$20 milhões como adiantamento para que o clube mineiro fizesse contratações. Entre os nomes anunciados, destaque para o lateral-esquerdo Sorín, ex-River Plate, da Argentina (US$5,08 milhões), e o atacante Oséas (US$3,6 milhões), ex-Palmeiras. A Raposa ainda buscou os laterais Rodrigo e Zé Maria e os meias Jackson e Viveros. À época, o dólar era cotado a R$1,80.

Os aportes da Hicks até renderam bons resultados esportivos ao Cruzeiro, que conquistou a Copa do Brasil em 2000 sob o comando do técnico Marco Aurélio e foi semifinalista do Campeonato Brasileiro já com Luiz Felipe Scolari à frente do elenco. Contudo, não houve o retorno financeiro esperado com os atletas comprados pelo fundo. A Raposa fez dinheiro com o prata da casa Geovanni, vendido ao Barcelona em junho de 2001 por US$18 milhões (R$43 milhões na cotação da época).



José Roberto Guimarães interrompeu a carreira de técnico no vôlei e se aventurou no futebol como diretor da HMTF (Foto: Paulo Filgueiras/Estado de Minas)


Um dos diretores da Hicks Muse no Brasil era José Roberto Guimarães, renomado técnico de voleibol que conquistou medalhas de ouro em Olimpíadas com as seleções masculina e feminina. Além de participar de reuniões no Cruzeiro, ele teve experiência como gestor no Corinthians. A HMTF ainda tinha o americano Richard "Dick" Law, que viria a atuar como executivo do Arsenal, da Inglaterra, e Ademar Magon.

Em março de 2002, a Hicks ficou perto de reaver o dinheiro que aplicou na aquisição de Sorín com a transferência do argentino para a Lazio, da Itália, por US$9,5 milhões (R$22,2 milhões). O fundo dos Estados Unidos teria direito a 75% do valor - cerca de R$16,6 milhões. Contudo, os italianos pagaram somente US$1,5 milhão, e a venda frustrada se transformou em um empréstimo.
Se a Hicks Muse colecionou prejuízos no futebol brasileiro - cerca de R$170 milhões, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo de abril de 2001 -, o Cruzeiro levantou recursos necessários para buscar jogadores de qualidade e também construir a Toca da Raposa II, considerada à época o melhor centro de treinamento do país.



Dick Law, presidente da Panamerican Sports Teams, braço da HMTF, durante visita à Toca em 23 de janeiro de 2001. Executivo foi diretor de futebol do Arsenal entre 2005 e 2018 (Foto: Arquivo/Estado de Minas)



Por muitos anos, o clube foi referência em vender atletas para o exterior e por manter os salários em dia. Porém, nos últimos três anos - especialmente na administração de Wagner Pires de Sá -, o passivo da Raposa subiu a ponto de atingir a casa de R$1 bilhão. E o caminho mais rápido para sair do buraco é encontrar um investidor que tope devolver uma instituição à beira da falência a uma trajetória de títulos.
“É tudo novo. A SAF é nova para o torcedor, para o conselheiro, para o investidor e para os clubes do Brasil. Então, como tudo que está se iniciando, requer um tempo para ver o que realmente acontecerá no mercado. O Cruzeiro - uma marca extremamente forte, com 9 milhões de torcedores - tem que analisar bem o investidor. Não pode simplesmente chegar com muito dinheiro agora e depois não investir mais no futebol. Tem que estudar as propostas que vierem com critério e responsabilidade”, opinou Alvimar.

Dazn

“A comissão formada para esse objetivo na SAF conta com pessoas de muita capacidade, são empresários de sucesso. A gente tem que enaltecer a importância do Sérgio Santos Rodrigues nesse processo. É um caminho que não tem volta. Acho que os clubes do futebol brasileiro, de uma forma geral - pode ser que uns demoram mais, outros menos -, tendem a se transformar em SAF”, complementou.




Por fim, o presidente do Cruzeiro de 2003 a 2008 descartou qualquer chance de assumir a função de CEO em 2022. “A minha participação agora é como cruzeirense apaixonado, até para ajudar na pré-operação da SAF. Depois, minha missão termina. Não sei quem será o investidor, mas espero que tenha muito dinheiro (risos) e um projeto de muitas conquistas”.

Dazn


Entenda o contexto do Cruzeiro SAF


O que mudou no Estatuto?

Na Assembleia Geral dessa sexta-feira (17/12), conselheiros e associados concordaram, por maioria de votos, a alteração na redação do artigo 1º, parágrafo 5º, do Estatuto Social do Cruzeiro Esporte Clube, que trata da possibilidade de a instituição se tornar empresa. O texto original permitia a negociação de no máximo 49% do capital social. Agora, o investidor terá a opção de adquirir até 90%.

“O Cruzeiro Esporte Clube será acionista obrigatoriamente e de modo permanente na sociedade empresária ou sua sucessora que vier a constituir para explorar a atividade do desporto profissional, titular de pelo menos 10% (dez por cento) do capital social, sendo vedado o registro da sociedade sem a aprovação, pelo Conselho Deliberativo, do contrato social”.



Por que o clube criou a SAF?

No fim de novembro, o Cruzeiro constituiu a Sociedade Anônima do Futebol com base na Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. A expectativa é captar recursos que ajudem no pagamento de dívida calculada em R$962,5 milhões e facilitar a formação de um time competitivo que retorne à Série A do Campeonato Brasileiro.

Como será aplicado o dinheiro do investidor?

O aporte inicial do investidor será alocado tanto no pagamento de dívidas da associação civil quanto na qualificação da equipe de futebol. Exemplo: se um grupo comprasse 80% das ações da SAF por R$400 milhões, R$200 milhões abateriam débitos e R$200 milhões seriam utilizados na atividade desportiva com o objetivo de gerar novas receitas.

Qual a obrigação da SAF em relação à associação civil?

Concluída a transação, a SAF terá de destinar 20% das receitas para quitar débitos da associação civil, além de 50% do lucro proporcionado pela operação do futebol. Se em seis anos 60% do passivo original for liquidado, o prazo para a extinção dos 40% restantes é prolongado por mais quatro anos. Ou seja, em um eventual acordo fechado em 2022, o Cruzeiro SAF teria até 2032 para “zerar” as pendências do CNPJ antigo.




O que ficará com a associação civil?

O investidor do Cruzeiro comprará somente a operação do futebol. Patrimônios como a sede administrativa do Barro Preto, os clubes sociais e as Tocas da Raposa I e II permanecem em propriedade da associação civil.

Quando o dinheiro chega?

O Cruzeiro espera ter o capital em mãos em abril ou maio de 2022 - desde que feche com o investidor em janeiro ou fevereiro. Todavia, há o risco de as conversas demorarem meses ou anos para serem concretizadas.

De onde é o investidor?

Pedro Mesquita, head do banco de investimentos da XP, afirmou que os interessados em comprar as ações do Cruzeiro são grupos da Europa, dos Estados Unidos e do Oriente Médio. Os nomes não foram revelados em virtude de cláusulas de confidencialidade.