A decisão dos jogadores do
Cruzeiro
de não treinar enquanto a diretoria não acertar as pendências salariais nada mais é que o desdobramento da crise enfrentada pela instituição nos últimos anos. É difícil apontar com precisão o ponto de partida dos problemas financeiros, porém a maior parte foi na gestão do ex-presidente Wagner Pires de Sá, que terminou de forma trágica com o rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro, em 2019. A partir desse episódio, o clube perdeu mais da metade de suas receitas e mergulhou em um cenário de dívidas, processos, remunerações atrasadas e insucesso esportivo. Veja a seguir cinco pontos que agravaram a situação celeste.
1- Tamanho da dívida
No balanço de 2020, o Cruzeiro informou ter uma dívida de R$897 milhões - 11,5% a mais que os R$804 milhões de 2019. O aumento se deu principalmente pelos passivos herdados da administração de Wagner Pires de Sá, que no biênio 2018/2019 elevou as despesas em mais de 53% em comparação ao mesmo período de seu antecessor, Gilvan de Pinho Tavares, em 2016/2017: de R$770 milhões para R$1,18 bilhão.
O detalhe é que Wagner Pires assumiu o Cruzeiro com dívida "compatível" às receitas e ao patrimônio do clube: cerca de R$385 milhões. Mesmo assim, conseguiu elevá-la em quase 109%. Entre os principais pontos apontados pela Kroll - multinacional especializada em investigações corporativas - estão salários, direitos de imagem, liberação de atletas, premiações, empréstimos e serviços de terceiros (pessoa jurídica).
Conforme a Kroll, os salários no regime da CLT cresceram 50%, passando de R$ 156.581.352,00, em 2016/2017, para R$ 234.380.814, em 2018/2019. O clube "inflacionou" outras 18 categorias, como direito de imagem, 161%; juros de mora e multas, 144%; liberação de atletas, 307%; e serviços de pessoa Jurídica, 67%. As cifras destrinchadas no decorrer da matéria representam 80% dos gastos totais da instituição.
A Kroll apurou que foram admitidos pelo menos 566 funcionários no Cruzeiro de 2018 a 2019, 58% a mais que os 358 contratados nos dois anos anteriores. Além disso, a administração de Wagner Pires desligou 358 pessoas do quadro de colaboradores, ante 181 na “era Gilvan”. A conduta impactou em despesas referentes à folha de pagamento, como 13º salário, férias, FGTS e INSS.
2- Redução de receitas
Além de ferir o orgulho dos torcedores, a queda à Série B causou um enorme prejuízo econômico ao Cruzeiro. Em 2020, o clube contabilizou receita líquida de R$120 milhões, 57% a menos que os R$280,8 milhões de 2019, época em que estava na Série A. As principais baixas foram com cotas de televisão - R$102,5 milhões para R$40,3 milhões - e negociação de direitos econômicos de atletas - R$108,1 milhões para R$23,4 milhões.
Em 2018, quando conquistou o hexa da Copa do Brasil e alcançou as quartas de final da Copa Libertadores, o Cruzeiro obteve R$329,1 milhões em receitas líquidas. O faturamento recorde motivou a gestão de Wagner Pires a inflacionar ainda mais os gastos e, consequentemente, levar a instituição à beira da falência.
Atualmente, nem mesmo os bens do clube - como os dois centros de treinamento, os dois parques esportivos e o prédio que abrigava a sede administrativa - são capazes de cobrir a dívida na casa de R$900 milhões. Relatório elaborado pela Moore Auditores e Consultores em abril de 2021 apontou um passivo a descoberto de R$713,3 milhões - déficit acumulado de R$921,1 milhões, ante um patrimônio de R$207,8 milhões.
É consenso que a esperança mais viável para a recuperação financeira do Cruzeiro é a transformação em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) na temporada 2022. Por esse objetivo, a direção fez uma parceria com a XP Investimentos, que será a responsável pela captação de recursos que permitam a montagem de um elenco forte no ano que vem. Clique aqui e veja a lista dos torcedores milionários em condições de ajudar a Raposa .
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3- Salários atrasados
As dívidas em expansão e as receitas em declínio influenciaram nos atrasos recorrentes de salários no Cruzeiro. Em carta publicada nesta quarta-feira, os jogadores afirmaram que há pendências relativas a 2020 e 2021, a ponto de funcionários com remunerações mais baixas terem de recorrer a ajuda financeira para manter suas “necessidades básicas de sobrevivência”.
“Informamos que, diante dos reiterados atrasos salariais neste ano de 2021, chegamos ao ponto insustentável de termos até 06 (seis) meses de atrasos, o que demonstra a precária situação financeira a que estão expostos todos funcionários, que atualmente estão sendo socorridos pelo auxílio/ajuda financeira dos atletas profissionais para manutenção das necessidades básicas de sobrevivência”, diz trecho do comunicado.
No início de 2020, o Cruzeiro fez um acordo de repactuação dos vencimentos de atletas que recebiam acima de R$150 mil - o goleiro Fábio, o lateral-direito Edilson, os volantes Henrique e Ariel Cabral, o meia Robinho e o atacante Sassá. O clube confiou no retorno à Série A para pagar a diferença em 20 parcelas a partir de abril de 2021, porém passou longe do acesso ao ficar em 11º na Série B, com 49 pontos.
Em razão desse descumprimento, vários jogadores buscaram os direitos na Justiça do Trabalho. Da lista citada acima, o Cruzeiro foi condenado a pagar R$3,1 milhões a Robinho e R$8 milhões a Edilson, mas recorreu das sentenças em primeira instância. Os dois casos compõem a Certidão de Ações Trabalhistas com mais de 200 processos no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Minas Gerais (TRT-MG).
4- Planejamento do futebol
O retorno à elite do Campeonato Brasileiro é fundamental para a recuperação financeira do Cruzeiro. Contudo, o clube passou longe dessa missão nas duas temporadas que disputou a Série B. Em 2020, iniciou a competição com seis pontos negativos, em decorrência de uma punição na Fifa, e finalizou em 11º, com 49. Em 2021, também está em 11º, com 39 pontos em 30 rodadas, e tem 0,15% de probabilidade de acesso, segundo o Departamento de Matemática da UFMG. Em ambas as edições, a Raposa jamais esteve perto do G4. Pelo contrário, frequentou por várias vezes a zona de rebaixamento e assustou os torcedores quanto ao risco de cair para a Série C.
De agosto de 2020 a outubro de 2021, o Cruzeiro teve seis técnicos - Enderson Moreira, Ney Franco, Luiz Felipe Scolari, Felipe Conceição, Mozart Santos e Vanderlei Luxemburgo - e quatro diretores de futebol - Ricardo Drubscky, Deivid, André Mazzuco e Rodrigo Pastana. A cada troca de cargo, dava-se início a uma nova filosofia, com novos métodos de trabalho e, claro, novos jogadores dentro do perfil de cada profissional.
Dos treinadores mencionados, Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo foram os que obtiveram os melhores resultados. Curiosamente, o clube praticamente não pôde incorporar reforços sob o comando desses profissionais em razão do
transfer ban
imposto pela Fifa (dívida de R$7,8 milhões pela contratação do atacante Willian, em 2014).
Após receber duas contratações - William Pottker e Rafael Sobis -, Felipão ganhou nove, empatou oito e perdeu quatro em 21 jogos na Série B 2020 (55,56% de aproveitamento). Já Luxa, que não contou com nenhum novo nome, registrou até o momento seis vitórias, oito empates e um revés em 15 partidas na Segundona de 2021 (57,78%).
Após receber duas contratações - William Pottker e Rafael Sobis -, Felipão ganhou nove, empatou oito e perdeu quatro em 21 jogos na Série B 2020 (55,56% de aproveitamento). Já Luxa, que não contou com nenhum novo nome, registrou até o momento seis vitórias, oito empates e um revés em 15 partidas na Segundona de 2021 (57,78%).
Estatisticamente, Enderson Moreira foi superior a Scolari e Luxemburgo, pois contabilizou índice de 58,33% em 12 partidas - seis vitórias, três empates e três derrotas. No entanto, metade dos resultados favoráveis ocorreu no Campeonato Mineiro de 2020, e o treinador acabou prejudicado pelo início da equipe com seis pontos negativos na Série B.
Ney Franco e Mozart Santos somaram apenas 33,33% dos pontos (todos na Série B), enquanto Felipe Conceição alcançou 47,37%, contando Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e Segunda Divisão do Brasileiro.
5- Críticas de principal parceiro
A dívida com o atual quadro de colaboradores só não é maior no Cruzeiro graças aos aportes de Pedro Lourenço, do Supermercados BH. Recentemente, o empresário repassou mais de R$8 milhões para quitar parte dos vencimentos em atraso, e a quantia foi convertida em renovação do patrocínio master até dezembro de 2023.
Na condição de principal parceiro do clube, Pedrinho não poupou críticas à administração de Sérgio Rodrigues em entrevista ao repórter Thiago Reis, da Rádio Itatiaia, em 2 de outubro. “Terceiro ano na Série B, incompetência total da gestão do Cruzeiro, que o Sérgio está aqui, é nosso presidente hoje, mas não ouve a gente. Eu acho que, se não tomar providência, vai ficar o resto da vida na Segundona”.
Na ocasião, Lourenço se mostrou insatisfeito com o trabalho do diretor de futebol Rodrigo Pastana - demitido dois dias depois - e afirmou que Sérgio não cumpriu com o combinado em relação aos pagamentos. “Quando conversamos com o Vanderlei, ele exigiu que os salários estivessem em dia. Quando falo salário, não é só do jogador. Eles não jogam sozinhos, não estão lá sozinhos. Tem o cara que ganha R$2 mil, R$3 mil. Tem que ser pago”, disse.
“Chegou para mim a conta que era X. Então eu comprei o patrocínio de 2023 - cerca de R$8,1 milhões. Era para acertar até o dia (da chegada) do Vanderlei. Depois disso, não se pagou nenhum jogador. O presidente não pagou. A proposta era eu fazer esse aporte e ele continuaria pagando em dia. E isso não foi feito”, complementou o empresário.
O que diz Sérgio Rodrigues?
Oficialmente, Cruzeiro e Sérgio Rodrigues não se manifestaram sobre o protesto dos jogadores. Neste momento, o presidente se encontra em Lisboa, em Portugal, onde participa do Global Football Management, evento de gestão esportiva organizado pelo diretor executivo do Avaí, Felipe Ximenes. A sede do seminário de palestras é o estádio da Luz, do Benfica.
Em vídeo difundido nas redes sociais, Rodrigues rebateu as críticas à viagem a Portugal em meio às dificuldades do clube. “É um desafio estar aqui neste momento do Cruzeiro porque, é claro que tem gente que vai falar disso, não falta quem critique sempre. Nossa, mas o Cruzeiro está na 10ª posição (na verdade, é o 11º) e o presidente está em Portugal. Como se isso fosse a pior das coisas e, por isso, que o Cruzeiro está na 10ª posição. As críticas a isso também não faltaram (...)”.
Com possibilidade de chegar no máximo a 63 pontos - campanha que aponta 94,4% de chance de promoção -, o Cruzeiro volta a campo na sexta-feira da próxima semana (22/10), às 21h30, contra o Avaí, no estádio da Ressacada, em Florianópolis. Depois, o time encara Remo (casa), Vila Nova (casa), Londrina (fora), Brusque (casa), Vitória (fora), Sampaio Corrêa (fora) e Náutico (casa).
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