A bandeira vermelha com a estrela verde ao centro se espalhou pelas ruas, janelas e pontos turísticos de Doha. As noites têm sido de buzinaços em comemoração. Mas o barulho nem sempre vem de algum dos milhares de marroquinos que se digladiam em busca de um disputado ingresso para viver nas arquibancadas a maior história desta Copa do Mundo. Árabes e africanos de todos os países aumentam o coro por Marrocos, que no Catar tem vivido um enredo épico que aproxima os gramados da história política.
Quis o destino que Espanha, Portugal e, agora, França estivessem no caminho dos Leões do Atlas no mata-mata do Mundial. Em diferentes momentos históricos, os três países europeus colonizaram Marrocos e deixaram rastros culturais, políticos e econômicos na ex-colônia.
"Estamos confiantes, queremos reescrever os livros de história e colocar a África no topo do mundo. Não somos os favoritos, pode me chamar de louco, tudo bem, mas um pouco de loucura é bom. Vamos tentar tirar essa mentalidade", disse o técnico Walid Regragui, marroquino nascido na França.
'Reconquista ibérica'
No ano de 1415, em meio à expansão ultramarina por África e América Latina, Portugal invadiu o território marroquino. O ponto de entrada dos portugueses foi a cidade de Ceuta (hoje parte da Espanha), que recebia caravanas de mouros no transporte de ouro, marfim, especiarias e escravos. O domínio europeu durou pouco, por conta da resistência local.
Mais de 600 anos depois, os países se encontraram nas quartas de final da Copa do Mundo. Marrocos surpreendeu o mundo ao vencer por 1 a 0 e foi o algoz naquela que deve ter sido a última partida de Cristiano Ronaldo em Mundiais.
Entre torcedores, concretizou-se a reconquista ibérica. Afinal, dias antes, um outro colonizador tinha sido derrotado.
A Espanha invadiu Marrocos no século XIX e instituiu um protetorado no Norte do país, nas regiões do Rif e Jebala. No mesmo período, outra parte do território marroquino estava sob comando francês.
A administração espanhola acabou oficialmente em 1956, mas as tensões entre as nações continuam até hoje por conta das ondas migratórias, já que Marrocos é o país africano com menor distância para a Europa.
No trecho mais curto pelo Estreito de Gibraltar, são 14 quilômetros entre Marrocos e a Espanha. As cidades espanholas de Melilla e Ceuta são outros pontos buscados por imigrantes, já que ficam na África.
Em campo, a Seleção Marroquina viu a Espanha trocar passes incansavelmente nas oitavas de final do Mundial do Catar, mas criar poucas chances.
O empate por 0 a 0 levou a decisão para os pênaltis. O goleiro Bono brilhou e foi fundamental para a vitória por 3 a 0, que levou os marroquinos à fase seguinte.
Nova batalha
A próxima batalha será justamente contra a França, metrópole que manteve um protetorado em parte de Marrocos entre 1911 e 1956, ano da independência. No início do século XIX, franceses e espanhóis tinham secretamente dividido o território marroquino, preparando as invasões de anos depois.
Até hoje, a França tem grande influência nos costumes e na economia de Marrocos, embora a relação durante o período de colonização fosse menos bélica do que em outros países africanos.
Nesta quarta-feira (13), futebol e política se encontram novamente para a nova tentativa marroquina de fazer história. As equipes se enfrentam a partir das 16h (de Brasília), no Estádio Al Bayt, em Al Khor, por uma vaga na final da Copa do Mundo.