Camisas de clubes brasileiros com torcedores no Catar (Foto: João Vítor Marques/Superesportes)

A estação de metrô Al Riffa está lotada, mas silenciosa. Lentamente, centenas de torcedores andam em direção às escadas rolantes que os levarão do ar condicionado interno ao sol ainda forte de Al Rayyan, onde Croácia e Bélgica se enfrentarão dali a algumas horas no Estádio Ahmad Bin Ali. Em meio à multidão, um grito quase gutural rompe a serenidade do ambiente. "Galooo!", berrou um atleticano ao ver um desconhecido com a camisa dourada lançada pelo clube há menos de dois meses.





A reação veio de alguém que estava uns poucos passos atrás: "O Cruzeiro é o maior de Minas!", sorriu. A ligeira e bem-humorada troca de provocações poderia ter ocorrido em um dia qualquer em Belo Horizonte, a 11 mil quilômetros dali. Mas, na verdade, simboliza a legião de brasileiros que escolhem o uniforme do time de coração para torcer pela Seleção na Copa do Mundo do Catar.

Pelas ruas, pontos turísticos e estádios da capital Doha, não é difícil encontrar alguém exibindo a paixão pelo clube com camisas, bandeiras e faixas. Em jogos da Seleção Brasileira, as arquibancadas atrás dos gols se preenchem com diferentes escudos.

"Minha seleção é o Atlético. Se eu estou aqui na Copa do Mundo, eu agradeço ao Atlético, porque acima da Seleção está o Atlético", disse Gustavo Bicalho, que chegou enrolado em uma bandeira alvinegra para acompanhar a derrota brasileira por 1 a 0 para Camarões, no Estádio Icônico de Lusail, na última sexta-feira (2).




Na mesma noite (tarde no Brasil), as irmãs Mônica e Marlise Brandão mostram a paixão dividida. No Catar, decidiram vestir camisas metade da Seleção, metade do clube de coração. A primeira é americana, enquanto a segunda torce pelo Atlético. "Eu sou Galo, em primeiro lugar, sempre. Mas como estamos na Copa, a gente tem que vir com um pouquinho de Brasil também", disse Marlise.

À frente delas, um grupo vestido de azul parece tentar encontrar o portão para entrar no suntuoso palco da final do dia 18. Ao notar a aproximação, escutam pacientemente o português e respondem em castelhano: "Somos mexicanos", dizem, aos risos. Jeniffer Monter, José Luís Cortes e Hugo Pérez ostentam camisas e uma faixa do Cruzeiro.

"Temos amigas que são de Minas Gerais, especificamente de Itabirito, perto de Ouro Preto. Por isso, nós gostamos do Cruzeiro e da Seleção Brasileira também", explicou Pérez. "Usar a camisa do Cruzeiro é uma tradição desde o Brasil. Compramos no Mineirão. Somos Cruzeiro até morrer", reforçou Cortes.




"O Cruzeiro é uma grande equipe e acaba de subir (para Série A) com Ronaldo. Viemos assistir ao Brasil, somos apaixonados, vamos apoiar com tudo o Brasil", finalizou Monter.

Não são os únicos estrangeiros com camisas de clubes brasileiros. Nos arredores do estádio, um estadunidense escolheu o uniforme do Vasco para torcer pelo Brasil, enquanto um israelense vestiu o do Grêmio. Dias antes, nas ruas, um ganês exibiu o Manto da Massa de 2021 e contou ter uma coleção com três peças do Atlético.

Em Lusail, camisas de dezenas de times de todo o Brasil se encontraram. Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Atlético, Cruzeiro, Vasco, Criciúma, Fluminense, Inter, Grêmio, Botafogo, São Paulo, Santos, Bahia, Sport... Juntos, quem as vestiam torceram pela Seleção Brasileira - mas, é claro, sem esquecer o primeiro e maior amor.




Mas, às vezes, a escolha da vestimenta vai além da paixão pelo clube. João Lucas Dal Farra tem mais de 100 camisas de clubes. Torce pelo Criciúma e resolveu homenagear o time na estreia brasileira no Catar, a vitória por 2 a 0 sobre a Sérvia. Deu sorte. Agora, não quer mais saber de usar outro uniforme.

"Trouxe para o Catar oito camisas do Criciúma e fiz uma enquete nas minhas redes sociais para decidir qual eu usaria no primeiro jogo do Brasil. Esta aqui, de 1996, ganhou. O Brasil venceu o primeiro jogo e eu falei: 'Não vou tirar mais'. Enquanto o Brasil jogar, vou usar esta camisa para dar sorte", contou, aos risos, momentos antes do revés contra os camaroneses na fase de grupos.

Rivalidade
Entre os brasileiros, as rixas regionais e nacionais persistem, mas são amenizadas pela paixão pela Seleção. Enrolado na bandeira do Guarani, Edu Henrique caminha lado a lado com o grande amigo Rodrigo Ceregatti, que veste uma camisa amarela com os escudos da CBF e da Ponte Preta.




A rivalidade entre os clubes de Campinas é uma das maiores - e mais violentas - do país. No Catar, andam juntos, sem problemas. "Tem que ser assim sempre", diz o torcedor do Bugre.

Mas também há espaço para provocações. Tiago Silveira pegou a bandeira do Sport e posou para uma foto quando ouviu: "87 é do Flamengo!", em referência à histórica polêmica sobre o campeão brasileiro de 1987. "Isso daí dá um problema...", riu o pernambucano, em voz baixa, sem responder à brincadeira do flamenguista.

Em meio a tantas demonstrações de paixão pelos clubes, os uniformes da Seleção Brasileira ainda são maioria nos jogos da Copa. Boa parte das camisas têm "Brazil" grafado assim, com "z" no lugar do "s", em mais um indicativo da quantidade de estrangeiros que reforçam a torcida pelo país no Catar.

Eles vêm de várias partes do mundo, especialmente de nações do Sul e do Sudeste Asiático, como Índia, Indonésia, Malásia e Bangladesh. E se juntam a atleticanos, cruzeirenses, americanos, palmeirenses, vascaínos, flamenguistas e outras tantas torcidas em um coro uníssono pelo hexacampeonato.