Os holofotes se voltaram para Richarlison com os dois gols marcados por ele na vitória do Brasil sobre a Sérvia (2 a 0), quinta-feira (24/11), pela rodada de abertura do Grupo G da Copa do Mundo. O América, clube pelo qual o camisa 9 da Seleção iniciou a trajetória profissional, manifestou-se com bastante entusiasmo nas redes sociais ao destacar o "DNA Formador". Compartilho da mesma alegria, pois tive a oportunidade de acompanhar os primeiros passos do jogador no CT Lanna Drumond, em 2015.
Estava em meu terceiro ano como repórter setorista do América. O técnico era Givanildo Oliveira, que, na contramão da maioria, não tinha o hábito de fechar treinos. Ou seja, as atividades sempre eram abertas, inclusive os coletivos para a definição da equipe titular, o que facilitava - e muito! - a vida do jornalista. E ali observei o surgimento de um garoto bastante promissor.
Olhares de Givanildo
Lembro-me da ocasião em que Givanildo deixou o treino sob as orientações do auxiliar Cláudio Prates e do preparador físico Wellington Vero e se dirigiu ao campo onde o sub-20 do América enfrentava o Betinense em amistoso preparatório para o Campeonato Mineiro da categoria. Consultei a data nos arquivos do Superesportes: 27 de março de 2015. O Coelho venceu por 4 a 0, com dois gols de Richarlison. O técnico gostou do que viu.
Primeiro treino
Richarlison continuou nos juniores por quase três meses, até Givanildo convocá-lo aos coletivos do time principal, em 18 de junho. Uma cena chamou atenção: vários atletas do sub-20 - entre eles o volante Zé Ricardo, hoje com mais de 200 partidas pelo América - sentaram-se sob uma marquise em frente à sala de imprensa para assistir à participação do amigo na formação reserva. Com personalidade, o garoto de 18 anos incomodou os zagueiros Wesley Matos e Anderson Conceição e obrigou o goleiro João Ricardo a fazer duas boas defesas, além de cabecear uma bola bem perto da trave esquerda.
Golaço em coletivo
Givanildo procurava uma alternativa para a função de centroavante por que o recém-contratado Cristiano, com bom rendimento na Caldense vice-campeã estadual em 2015, e o prata da casa Rubens, goleador na base do Coelho, não inspiraram tanta confiança nos torcedores. A coragem demonstrada por Richarlison nos treinos deu a certeza de que não seria preciso buscar nenhum nome no mercado. Em outro coletivo, no dia 2 de julho, o atacante marcou um golaço no Lanna Drumond após driblar quatro marcadores, incluindo o goleiro João Ricardo, e chutar no pé da trave direita, com a bola ganhando as redes em seguida. Flávio Lopes, à época gerente de futebol, admirou-se com o lance e perguntou aos jornalistas: "Vocês viram aquilo ali?".
Gol na estreia
Givanildo Oliveira não tinha mais dúvidas: Richarlison estava pronto para jogar a Série B. Relacionado para a partida contra o Mogi Mirim, em 4 de julho, o atacante saiu do banco de reservas com a camisa 22 aos 32 minutos do segundo tempo, entrando no lugar de Cristiano. Aos 43, ele marcou de cabeça o terceiro gol da vitória do Coelho por 3 a 1, no Independência, pela 10ª rodada. A assistência foi do parceiro de ataque, Marcelo Toscano, que tentou dar um voleio após rebatida do goleiro Daniel.
Também de cabeça, Richarlison fez o segundo gol dele pelo América na vitória por 2 a 1 sobre o ABC, no Horto, pela 12ª rodada da Série B. Era uma partida muito difícil, na qual o adversário havia saído na frente no primeiro tempo. O alviverde virou em finalização do volante Thiago Santos, ex-Palmeiras e atualmente no Grêmio.
Titularidade
Richarlison virou titular na 13ª rodada, contra o Oeste, em 18 de julho, numa noite desfavorável para o Coelho, derrotado por 3 a 1. Mesmo assim, firmou-se ao lado de Toscano no ataque e não saiu mais do time que arrancou para o acesso à primeira divisão do Campeonato Brasileiro, na quarta posição, com 65 pontos (19 vitórias, oito empates e 11 derrotas). Os dois foram responsáveis por quase 42% dos 55 gols do América na Série B. Richarlison marcou nove em 24 jogos. Toscano fez 14 em 35 partidas.
Jogador driblador
Além dos gols decisivos, Richarlison protagonizou dribles e arrancadas na Série B. Um dos lances mais emblemáticos ocorreu em 8 de setembro, na vitória por 2 a 0 sobre o Sampaio Corrêa, no Castelão, em São Luís, pela 24ª rodada. No primeiro gol, ele fintou por quatro vezes o lateral-esquerdo Willian Simões, dando tempo para que o volante Rodrigo Souza saísse da intermediária e chegasse perto do gol como "elemento surpresa" para concluir de carrinho. Rick anotou o segundo gol americano com uma chapada de pé esquerdo no cantinho.
Entrevista
Quem hoje o vê à vontade diante de dezenas de microfones e câmeras nem sequer imagina o quão Richarlison era tímido no princípio - algo natural e compreensível para um garoto que tinha somente 18 anos. Depois de algumas respostas curtas no começo, ele foi se soltando e pegando o jeito.
Em 6 de novembro de 2015, publicamos uma exclusiva com ele no Superesportes e no Estado de Minas. Mais à vontade no bate-papo, Rick contou a satisfação por comprar uma casa para o pai, agradeceu ao técnico Givanildo Oliveira pelas oportunidades e tratou com "pés no chão" o sonho de jogar na Seleção Brasileira e no futebol europeu. "Quero (primeiramente) realizar os meus objetivos aqui. Só depois pensar em ir para fora", dizia.
Propostas
Ao fechar contrato com Richarlison, o América passou a ser dono de 70% dos direitos econômicos. Em dezembro de 2015, após a campanha de acesso à Série A, veio a proposta do Fluminense: R$ 10 milhões por 50%. Precisando fazer caixa e com a possibilidade de colocar o jovem em uma grande vitrine do futebol brasileiro, o Coelho assinou a transação e ainda manteve 20% de participação em uma negociação futura.
Meses antes, durante a Série B, o clube recusou uma proposta do futebol suíço. Euler Araújo, integrante do Conselho de Administração do Coelho, era um dos nomes do departamento de futebol naquela época. Ao repórter Samuel Resende, do Superesportes, ele explicou que o garoto não ficou deslumbrado com a oferta europeia e optou por permanecer em BH.
"Quando chegou essa oferta da Suíça, eu expliquei a ele: você vai para um país que é segunda linha no futebol. Calma, tranquilidade, o América está indo muito bem, nós vamos para a Primeira Divisão. Não esqueço disso, em um restaurante no Boulevard, eu, ele e o Renato Velasco. Lá na Suíça (a temperatura), é 10°C abaixo de zero, o time está em meio de temporada. Em 2016, a Olímpiada vai ser no Brasil, e o América estará na Primeira Divisão. Fica aqui, vai surgir coisa boa para você, e aí com certeza vai para um futebol melhor do que esse, seguindo para a Seleção Brasileira. Ele falou, 'presidente, quero ficar no América. Não vou sair agora".
Outros casos
Euler Araújo, que fez carreira como gerente na Caixa Econômica Federal, revelou que uma das primeiras preocupações de Richarlison após assinar o novo contrato foi adquirir a casa para o pai, Antônio Marcos de Andrade, que trabalhava como marteleteiro em obras no Espírito Santo. "No primeiro contrato dele, eu trabalhava na Caixa e abri a conta para ele. E ele falou assim: 'com o que eu ganho, dá para comprar um imóvel para o meu pai, financiado?'. Eu perguntei quanto custaria, e ele falou 'uns R$ 100 mil'. Eu disse que conseguia sim, poderíamos olhar depois".
O dirigente do América ainda contou que o jogador não queria sair da residência dos colegas da base, em área anexa ao Lanna Drumond. "No protocolo, quando o jogador vira profissional, não pode mais morar no alojamento, mas ele me pediu para ficar morando lá. Eu expliquei, mas ele insistiu para que eu deixasse. Eu acabei deixando ele ficar por mais três meses com os amigos. E ele ficou, foi um 'custo' para ele sair. Mas aí o Renato (Velasco, empresário de Richarlison) comprou um apartamento, e ele aceitou".
Araújo recordou da chegada de Richarlison ao sub-17 do América, em 2014. “Uma pessoa ligou para o seu Geraldo Ventura, um funcionário do América que também olhava questões da base. Não tenho certeza, mas acho que o Renato Velasco foi quem ligou pedindo um teste para um menino que tinha vindo do Espírito Santo”.
Aprovado de imediato, o atacante fez dupla com Matheusinho e marcou quatro gols na campanha do título mineiro de juvenis. Em 2015, ascendeu ao elenco de juniores, pelo qual também fez quatro gols no estadual da categoria, até ser "descoberto" pela comissão técnica do profissional e virar o camisa 9 na Série B.
Araújo recordou da chegada de Richarlison ao sub-17 do América, em 2014. “Uma pessoa ligou para o seu Geraldo Ventura, um funcionário do América que também olhava questões da base. Não tenho certeza, mas acho que o Renato Velasco foi quem ligou pedindo um teste para um menino que tinha vindo do Espírito Santo”.
Aprovado de imediato, o atacante fez dupla com Matheusinho e marcou quatro gols na campanha do título mineiro de juvenis. Em 2015, ascendeu ao elenco de juniores, pelo qual também fez quatro gols no estadual da categoria, até ser "descoberto" pela comissão técnica do profissional e virar o camisa 9 na Série B.
Fluminense
Richarlison trocou o América pelo Fluminense. No primeiro ano, em 2016, os números foram modestos: quatro gols em 31 jogos. No segundo, destacou-se no Campeonato Carioca, com oito gols em 12 partidas, e também no Brasileiro, ao balançar a rede cinco vezes em 14 rodadas. Em julho de 2017, o Tricolor vendeu o atleta ao Watford, da Inglaterra, por quase 12,5 milhões de euros, o equivalente a R$ 46 milhões na época. Nessa operação, o Coelho teve direito a mais de R$ 9 milhões.
Quando Richarlison ainda começava no Fluminense, o Superesportes apurou que o América recebeu uma sugestão de investimento de R$ 3 milhões em 20% dos direitos econômicos do atacante. A fatia pertencia ao Real Noroeste-ES e ao empresário do atleta, Renato Velasco. Em entrevista à reportagem em janeiro de 2016, o presidente Alencar da Silveira Júnior confirmou a possibilidade, porém disse que o clube "precisava olhar a situação financeira". No fim das contas, o negócio que poderia proporcionar grande retorno ao Coelho não avançou.
Quando Richarlison ainda começava no Fluminense, o Superesportes apurou que o América recebeu uma sugestão de investimento de R$ 3 milhões em 20% dos direitos econômicos do atacante. A fatia pertencia ao Real Noroeste-ES e ao empresário do atleta, Renato Velasco. Em entrevista à reportagem em janeiro de 2016, o presidente Alencar da Silveira Júnior confirmou a possibilidade, porém disse que o clube "precisava olhar a situação financeira". No fim das contas, o negócio que poderia proporcionar grande retorno ao Coelho não avançou.
Nova entrevista
Em dezembro de 2017, já com a titularidade assegurada no Watford, Richarlison deu nova entrevista exclusiva ao Superesportes/Estado de Minas. Ele conversou com desenvoltura sobre vários assuntos, como a adaptação ao futebol inglês, as inspirações em Eden Hazard e Gabriel Jesus, a "tietagem" a Neymar e o sonho de disputar a Champions League e a Copa do Mundo. Também falou da preocupação de fazer um bom planejamento financeiro e de novos presentes aos familiares - um apartamento para o pai no Rio de Janeiro e casas próprias em sua cidade natal, Nova Venécia (Espírito Santo), para a irmã mais velha e a avó.
Milhões de libras
Richarlison permaneceu no Watford até julho de 2018, quando foi comprado pelo Everton por 39,2 milhões de euros (mais de R$ 176 milhões na época). Foram quatro temporadas de muito sucesso, com 53 gols e 13 assistências em 153 jogos. Nesse intervalo, ganhou o apelido “Pombo”, passou a ser convocado pelo técnico Tite para a Seleção Brasileira e representou o país no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Tóquio, do qual foi artilheiro, com cinco gols, e medalhista de ouro. Por fim, em julho de 2022, trocou o Everton pelo Tottenham por 50 milhões de libras - R$ 327 milhões na cotação atual.
Versatilidade
Uma característica interessante de Richarlison é a sua versatilidade para jogar tanto pelas beiradas quanto como centroavante. Na Inglaterra, onde costuma atuar na ponta, o “Pombo” acumula 60 gols oficiais em 209 jogos (média de 0,28). Na Seleção Brasileira, fazendo o papel de 9, o aproveitamento é bem melhor: 19 gols em 39 partidas (0,48). Na carreira, incluindo o time olímpico, Richarlison disputou 345 jogos e marcou 112 gols.
Protagonismo dentro e fora de campo
Com os dois gols na estreia, Richarlison é candidato a protagonista na sequência da Copa do Mundo, em que o Brasil ainda enfrentará Suíça e Camarões pelo Grupo G para buscar uma vaga nas oitavas de final. O Pombo também faz belos gols fora de campo, seja pelo bom humor e irreverência nas entrevistas ou pelos gestos de solidariedade a quem precisa. Alguns exemplos de engajamento em causas sociais são o incentivo às pesquisas científicas no enfrentamento à COVID-19 e ao combate ao desmatamento, bem como a ocasião em que o jogador doou uma camisa autografada do Watford e pediu doações para uma mulher do Recife-PE que tentava juntar recursos com a finalidade de bancar uma cirurgia para o pai.