Felipão era dirigente no Athletico-PR desde a virada do ano (Foto: Iconsport)

Luiz Felipe Scolari firmou a sua aposentadoria como técnico, mas esqueceu de pedir licença ao futebol brasileiro. Há sete meses, em novembro, ele era homenageado por fazer seu último jogo à beira do campo, retornando aos bastidores do Athletico-PR e passando o bastão a seu auxiliar, Paulo Turra.




Nesta sexta-feira (16), de forma surpreendente, ele acaba virando o novo comandante do Atlético-MG, em mais uma reviravolta que confirma, definitivamente, que o chamado se trata de um modelo atemporal.

É como se Felipão não fosse apenas um técnico, mas sim uma licença poética, uma blindagem, um aviso. Ao contratá-lo, o clube mineiro comunica ao vestiário, à torcida e aos rivais: pegaremos o atalho mais curto para competir, o elenco vai adorar, nós confiamos e conhecemos a forma com que ele monta seus times, não adianta achar que vão pressioná-lo a mudar e também não me venham com teorias, projeções ou grandes reflexões sobre jogar assim ou assado. É o Felipão, está dado, ponto. Uma receita de décadas.
 
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Na última amostra, o impacto foi imediato. O Furacão tinha só uma vitória em quatro jogos na Libertadores e resolveu trocar de técnico depois de tomar um impressionante 5 a 0 em visita ao The Strongest. Apostou em Scolari, que venceu nas duas últimas rodadas e depois eliminou o Libertad, líder de sua própria chave, nas oitavas de final. Aí vieram duas noites típicas do gaúcho, como numa cena pós-créditos de uma carreira de épicos ­– tirou o Estudiantes, em La Plata, com um gol no minuto 96, e superou o Palmeiras, em São Paulo, buscando um empate com dois gols na última meia hora.




Na Copa do Brasil, caiu para o Flamengo em apertadíssimo 1 a 0 após 180 minutos. Na final da Libertadores, outra derrota mínima para o favorito time carioca. No Brasileiro, foi se mantendo sempre no bloco de cima, até terminar num sexto lugar de vaga direta à elite continental. Num estalo, aquele time atropelado em La Paz virou vice-campeão da América e terminou a temporada de bem com a vida.

Foi uma síntese de Felipão em seis meses. Entrar no lugar de um técnico da nova geração ­– neste caso, Fábio Carille durou três semanas ­–, ter rápida aceitação e respeito do grupo, matar a pressão no peito e montar um time direto e objetivo, prático, além de extremamente concentrado. Tudo isso tocando o ambiente a seu gosto e ritmo.
 
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Foi por isso que o Palmeiras chamou o técnico pentacampeão do mundo em 2018, em substituição a Roger Machado, que era visto como alguém de ótimas qualidades e ideias, mas com dificuldade para ganhar o grupo. Bateu campeão brasileiro num ano marcado pela gestão do elenco, se firmando na liderança da tabela ao ganhar muitos pontos com o time alternativo e apoiado em Bruno Henrique, Dudu e Deyverson, o centroavante da vez no jogo esticado de Felipão. Inclusive o efusivo abraço de Dudu no ex-técnico, saltando em seu colo em visita do Athletico-PR ao Allianz Parque, escancarou o quão significativas são suas passagens em termos de relacionamento.




Depois viveu duas chegadas curtas porém parecidas, primeiro sendo um escudo no Cruzeiro, em crise numa Série B iniciada com Enderson Moreira, e depois tentando resgatar o Grêmio de uma má fase, na zona de rebaixamento com Tiago Nunes. Agora, esse pacote Felipão desembarca num Atlético-MG que também não conseguiu em sua fase recente firmar uma novidade como a cara do projeto, e viu três temporadas terminarem cedo para Dudamel (2020), El Turco Mohamed (2022) e Eduardo Coudet (2023). No meio deles, Jorge Sampaoli (2021) durou mais, mas também não deu sequência no ano seguinte (2021). Por duas vezes, lembraram de Cuca. Agora, de Scolari.
 

Debate sobre treinadores no Brasil é torto 


São muito claros os ciclos de treinadores do futebol brasileiro. Houve a explosão dos interinos que subiram da base, juntos de uma nova geração que despontava como antítese ao 7 a 1 da Copa do Mundo de 2014. Depois vieram os estrangeiros, um respiro de métodos contra os velhos vícios, um chacoalhão que deu nos títulos de Jorge Jesus, Abel Ferreira, Juan Pablo Vojvoda. No meio do caminho, o próprio técnico da derrota no Mineirão de nove anos atrás, uma marca nesse debate torto e feito às pressas, onde tendências surgem e desaparecem tão rapidamente como mais um gol da Alemanha.
 


Há cinco anos, quando tocou o telefone de Felipão em Cascais, pertinho de Lisboa, ele topou retornar para assumir o Palmeiras, mas admitiu que precisou conversar com a família porque os planos não eram voltar a ser técnico de um time em seu país. Agora, mais uma vez é tirado de sua cronologia, que apontava para pedir o boné e ser apenas um diretor de futebol, porque é nele que a elite do futebol brasileiro ainda enxerga essa capacidade imediata e segura de fazer o time correr direito a partir da próxima semana. Pelo que pensa de bola, pelo trato no vestiário e pelo currículo, algo ali ainda encaixa tal qual nos anos 1990. E por isso as portas seguem abertas.




Sem dúvidas é um mérito profissional de um dos maiores campeões da história. Sem propaganda enganosa nem promessa de longo prazo, ele entrega o que promete como um fiel seguidor de sua própria doutrina sem tempo de maiores elaborações. Mas é também sintomático que um dos maiores orçamentos do país, o time de Pavón, Paulinho e Hulk, o clube que outro dia levou a tríplice coroa atropelando os rivais, ofereça o atual momento a uma solução de curto prazo, de teto previsto, que se dizia aposentado, inclusive.

É como se o Galo tivesse tentando encontrar a melhor identidade para se assentar como um dos principais times do país nos próximos anos, candidato ao título em todos os jogos que disputa, e, por um instante, depois da frustração com Coudet, suspendesse essa longa estrada, tortuosa e cheia de buracos, para adiar o futuro e virar numa curva de horizonte imediato, que promete um alívio logo ali na frente. Faz parte da viagem.