Atlético e Flamengo se enfrentaram na final do Campeonato Brasileiro de 1980 (Foto: Arquivo/EM)

Quando a bola rolar às 16h deste domingo, Atlético e Flamengo escreverão mais um capítulo de um confronto histórico. Grandes jogos, viradas, polêmicas dentro e fora das quatro linhas marcaram os duelos entre mineiros e cariocas, que se reencontram em um momento decisivo, pela Supercopa do Brasil, na Arena Pantanal. O clima tenso de outrora se repete. Provocações e acusações extracampo marcam os dias que antecedem a partida em Cuiabá e remetem a episódios ocorridos décadas atrás. Mas como, afinal, essa rivalidade começou?

"Nasce exatamente em 1980, quando Atlético e Flamengo foram à final do Campeonato Brasileiro", relembra o jornalista Eduardo Murta, do Estado de Minas. A partida opunha dois dos principais times do futebol nacional. Frustrado pela derrota para o São Paulo em 1977, o Galo buscava o bicampeonato – já havia conquistado o título em 1971. O Rubro-Negro, em ascensão política e futebolística, chegava pela primeira vez à decisão.




O jornal O Globo de 29 de maio de 1980 relata a euforia dos flamenguistas, que fretaram 70 ônibus para a viagem do Rio de Janeiro a Belo Horizonte. Na capital mineira, o clima de tensão se instalou: sem escolta policial, parte da torcida rubro-negra foi recebida a pedradas. A cena se repetiu dias depois com os atleticanos que foram ao Maracanã assistir à partida de volta da decisão. E tudo se refletiu em campo.

"Aconteceram várias entradas violentas – especialmente de Rondinelli e Andrade, contra Palhinha e Reinaldo –, que não foram punidas com cartão amarelo. O único a levar cartão foi o Chicão, após falta dura em Tita, que revidou com um soco e não foi punido. Nunes pisou em Jorge Valença, caído, e não foi advertido também", publicou o EM do dia seguinte ao primeiro jogo da final, no Mineirão.

Capa de 1980 do Estado de Minas retrata a vitória atleticana no jogo de ida da final contra o Flamengo (Foto: Arquivo/EM)


O time alvinegro venceu aquela partida por 1 a 0, com gol de Reinaldo. A impressão, porém, é que poderia ter sido mais. "O clímax (da rivalidade), na minha modesta opinião, começou em 1980. O Atlético fez um time muito bom e o Flamengo também tinha um time bom, mas foi um campeonato decidido pela arbitragem", relembra ao Superesportes Procópio Cardozo, técnico alvinegro na ocasião.



"Aqui em Belo Horizonte, foi uma coisa absurda, porque o Atlético ganhou, mas teve dois gols anulados, dois pênaltis claríssimos em Reinaldo não marcados", completa o ex-treinador.

A opinião de Procópio foi corroborada até por Telê Santana, que à época comandava a Seleção Brasileira. "Afirmou que o Atlético poderia ter conseguido uma vantagem de pelo menos três gols, decidindo assim praticamente a Copa Brasil. Telê criticou o trabalho do juiz Romualdo Arppi Filho", citou o EM, em menção ao clima quase bélico da partida.

A vitória alvinegra, porém, fez "carnaval" em Belo Horizonte. Bastava o empate no Rio para conquistar o bi.

'Até parecia final de Copa do Mundo. Este jogo agitou BH', lê-se no EM do dia posterior à partida de ida da decisão do Brasileiro de 1980 (Foto: Arquivo/EM)


No Maracanã, festa rubro-negra


O segundo jogo daquela final teve de tudo: confusões, expulsões, cinco gols... Apesar das críticas da imprensa mineira e carioca na partida de ida, o trio de arbitragem foi mantido. A única mudança foi o árbitro central: auxiliar em BH, José Assis de Aragão trocaria de lugar com Romualdo Arppi Filho.



"Avisei ao senhor Elias Kalil, saudoso presidente do Atlético, que nós tínhamos que ter muito cuidado para que não fossemos prejudicados novamente", conta Procópio.

Os relatos da imprensa da época contam que o Flamengo teve domínio de boa parte do jogo. Saiu em vantagem com Nunes, mas viu o Atlético buscar o empate logo depois, com Reinaldo. No fim do primeiro tempo, ficou à frente mais uma vez, desta vez numa conclusão do craque Zico.

Atrás no marcador, o time alvinegro corria contra o tempo. Reinaldo, o principal jogador da equipe, estava lesionado – mas permaneceu em campo mesmo assim. Aos 21 minutos, mancando, aproveitou uma bola levantada na área e empatou o jogo mais uma vez: 2 a 2, resultado que daria o título ao Galo.



O Atlético quase virou num impedimento mal marcado e, logo depois, Reinaldo foi expulso por retardar o reinício da partida. Daí em diante o Fla pressionou e buscou o gol da vitória (e do título), na reta final. Os visitantes ainda tiveram Palhinha e Chicão expulsos.

Capa do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, destaca título do Flamengo; reclamações do Atlético sobre arbitragem tiveram pouco espaço na edição (Foto: Arquivo/O Globo)


"O benefício aos times cariocas não era exclusividade do Flamengo. Já havia ocorrido de forma escandalosa na decisão de 1974 entre Cruzeiro e Vasco. Tudo dentro de uma engenharia que estava ligada ao fato de a CBD, posteriormente CBF, ser sediada no Rio de Janeiro, o que estreitava essa proximidade indecorosa", conta Eduardo Murta.

Nas folhas dos jornais cariocas do dia seguinte, as reclamações atleticanas sobre a arbitragem tiveram pouco espaço. "Vitória do coração e da técnica: 3 a 2. Flamengo, campeão do Brasil", estampou O Globo na capa de 2 de junho. "O time dosou maturidade, experiência e determinação, mas usou sobretudo a raça e reviveu a mística da camisa rubro-negra", completou.




Era o início de uma rivalidade que, no ano seguinte, ganharia mais um de seus capítulos principais.

Libertadores de 1981


Jogo de desempate na Libertadores de 1981 entre Atlético e Flamengo é lembrado até hoje (Foto: Arquivo/EM)



Era 21 de agosto de 1981. Atlético e Flamengo disputariam o jogo de desempate do Grupo 3 da Copa Libertadores para saber qual time avançaria à fase decisiva. Nas duas partidas anteriores, empates por 2 a 2 no Rio e em Minas. O encontro final seria numa sede considerada neutra: o Serra Dourada, em Goiânia.

O Atlético começou melhor, admitiram os próprios jogadores do Flamengo. Mas a atuação do árbitro José Roberto Wright impediu o prosseguimento do embate entre dois dos principais times do futebol sul-americano. O dono do apito expulsou cinco jogadores alvinegros.

Reinaldo, por um carrinho em Zico, e Éder, por uma trombada acidental com o árbitro, foram os primeiros. Depois, Chicão, Palhinha e Osmar forçaram o vermelho. Em seguida, o goleiro João Leite alegou lesão, e a partida teve de ser finalizada por falta de jogadores do lado atleticano – todas as substituições já haviam sido feitas.




"Todo mundo erra. E, para mim, Wright errou. Foi o principal responsável por toda a confusão. Ele se perdeu por completo. Uma pena. O jogo tinha tudo para ser excepcional", declarou Telê Santana, nas páginas de O Globo.

'Um juiz descontrolado acaba com o futebol', lê-se no Estado de Minas da época (Foto: Arquivo/EM)


"Juiz acaba com o futebol em Goiânia", lê-se na capa do Estado de Minas de 22 de agosto, dia seguinte à partida. "Wright, demonstrando um nervosismo inexplicável e total descontrole emocional, acabou com o bom futebol que Atlético e Flamengo jogavam no Serra Dourada, o maior clássico do futebol brasileiro do momento que terminou melancolicamente", lê-se.

Os flamenguistas, por outro lado, alegaram que os atleticanos estavam mais nervosos que o normal. "Não sei por que eles ficam tão transtornados assim quando jogam contra a gente. Falam, gritam, dão pontapés, é uma loucura. Será que tudo isso ainda é um trauma do Brasileiro de 80?", provocou Tita.




"O Wright cansou de avisar que iria expulsar se eles continuassem a fazer faltas por trás para roubar as jogadas. Eles não pararam, o Reinaldo acabou na rua e daí em diante todos eles perderam a cabeça", disse Zico, à época.

Em entrevista ao EM em 2020, o eterno 10 rubro-negro lamentou o ocorrido. "Foi muito ruim aquilo, foi ruim para o futebol. A gente não ficou feliz. Ali, quem passasse, a possibilidade de ser campeão era muito grande, como foi o Flamengo. Foi uma pena que aconteceu aquilo. Acabou criando essa rivalidade desnecessária. Era um confronto incrível" disse.

Ao Superesportes, em 2012, Wright disse não se arrepender das decisões tomadas na partida que nunca terminou: "O jogo estava descambando para a agressão. Poderia comprometer fisicamente os atletas. Mas antes da primeira expulsão eu já tinha deixado claro para os dois capitães que o primeiro que desse um pontapé eu colocaria para fora. Não me arrependo de absolutamente nada. Fiz tudo neste jogo e na minha carreira de maneira limpa. Me orgulho de ter feito aquilo que realmente deveria ter feito. Era o que minha condição moral exigia".




No fim das contas, o Flamengo foi considerado vencedor e avançou à fase seguinte da Libertadores, que viria a conquistar na final diante do Cobreloa, do Chile. Aquela partida, porém, ficou marcada como uma das mais polêmicas da história do futebol e instaurou de vez a rivalidade entre os clubes.

'Vingança' alvinegra




Nos anos seguintes, Atlético e Flamengo protagonizaram outras decisões. Em 1986, o time alvinegro deu o troco pelas derrotas nos anos anteriores e, no Mineirão, eliminou o Flamengo nas oitavas de final do Campeonato Brasileiro. A campanha atleticana acabaria com derrota na semi para o vice-campeão Guarani.

Em 1987, o Fla levou a melhor. O timaço rubro-negro, que contava com Zico, Renato Gaúcho, Zinho e Bebeto, venceu os dois jogos semifinais e rumou ao polêmico título do módulo verde da Copa União.




Os confrontos seguiram apimentados nos anos seguintes, mas perderam relevância na década de 1990 pela redução de jogos decisivos entre os times. Em 2004, voltaram a fazer um duelo importante.

Em um cenário às avessas ao que se viu nos anos 1980. Atlético e Flamengo lutavam contra o rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro. No confronto direto no Ipatingão, o Galo aplicou a maior goleada da história do clássico: 6 a 1.

Em 2004, Atlético aplicou maior goleada da história do clássico: 6 a 1, no Ipatingão (Foto: Jorge Gontijo/Estado de Minas - 14/11/2004)


Nos anos seguintes, mais jogos importantes. O Fla eliminou o Atlético nas quartas de final da Copa do Brasil de 2006, que viria a conquistar; em 2008, o Galo 'calou' 80 mil pessoas que lotavam o Maracanã ao vencer por 3 a 0 pelo Brasileiro; na temporada seguinte, o Rubro-Negro deu o troco e aplicou 3 a 1 no Mineirão, num confronto direto pelo título nacional, que os cariocas conquistariam.




O último duelo mata-mata entre os times representou, para muitos, a vingança atleticana. Na semifinal da Copa do Brasil de 2014, o Flamengo venceu o jogo de ida no Rio de Janeiro por 2 a 0 e saiu na frente no Mineirão. Para avançar, o Atlético precisava de quatro gols. De maneira épica, conseguiu os 4 a 1 necessários, avançou à decisão e conquistou o título sobre o arquirrival Cruzeiro.

Após perder o jogo de ida da semifinal da Copa do Brasil por 2 a 0 no Rio, Atlético venceu o Flamengo por 4 a 1 no Mineirão e avançou à decisão (Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 5/11/2014)

 

Novo capítulo


Cada um de uma maneira, Atlético e Flamengo voltaram a ser protagonistas do futebol brasileiro. Entre 2019 e 2020, o Rubro-Negro conquistou dois Brasileiros, uma Libertadores e outros títulos; em 2021, o Galo levou o 'Triplete': Campeonato Mineiro, Brasileiro e Copa do Brasil. Neste domingo, medem forças mais uma vez.

A rivalidade histórica repercutiu extracampo. O presidente do Atlético, Sérgio Coelho, e o vice do Flamengo, Rodrigo Dunshee, trocaram farpas e acusações por meio da imprensa e das redes sociais. O Galo acusou o Rubro-Negro de ter recebido informações privilegiadas da CBF sobre a escolha da Arena Pantanal, em Cuiabá, como sede.




O clima de clássico contagiou o elenco e a comissão técnica alvinegros. "Tenho muito claro qual é a rivalidade, sei muito bem. Estou muito comprometido com esta instituição, com esta camisa. Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ganhar esta copa", disse o treinador atleticano, o argentino Antonio Mohamed, recém-chegado ao futebol brasileiro.

É com este ambiente que os rivais Atlético e Flamengo se reencontram para, depois de 42 anos daquelas polêmicas finais de 1980, disputar um troféu.

Dugout