Ainda estamos sob um certo torpor provocado pelos ventos que vieram do Oriente. Ainda mais com a taça cruzando mais uma vez o Atlântico e pousando em terras sul-americanas. Por mais que o senso de realidade nos obrigue a pensar que não foi o futebol da América do Sul quem venceu o torneio, mas um grupo representando um país deste lado do mundo, já que a maior parte deles atua na Europa, inclusive o melhor de todos, é reconfortante pensar que o futebol ainda pode atuar como um bálsamo, mesmo que fugaz, para um povo que vive uma crise política e social tão profunda quanto a que vemos na Argentina neste momento.
Mas, como todo momento de êxtase, esse também passará, e voltaremos ao arroz com feijão, a viver de contidas emoções, numa realidade bem mais modesta.
O cenário deixará de ser o de exuberantes estádios da Copa, perfeitos, reluzentes, com gramados dignos da tapeçaria mais fina que o Oriente costuma produzir e voltará a ser aquilo que estamos acostumados a consumir em casa.
Campos nem sempre tão bem cuidados, times nem sempre tão bem montados, campeonatos nem sempre tão bem administrados e nível técnico um pouco mais próximo do humano. Mas querem saber? Tudo bem. Tudo vai ficar bem. Porque foi esse futebol de meio de caminho que nos ensinou a gostar do jogo.
Foram os hoje mal falados campeonatos estaduais que nos aproximaram da paixão pelo futebol e nos mostraram sonhos de meninos se transformando em realidade.
Para cada estrela que vemos brilhar a cada quatro anos nas constelações de uma copa do mundo, há milhares de jogadores tentando conduzir a bola em direção ao gol. E são esses milhares de jogadores espalhados pelo mundo que fazem o futebol de verdade. Aquele que sustenta a indústria e empurra o esporte para o alto.
Como todo ciclo, daqui a alguns dias esse também estará fechado, e nossos olhos e ouvidos estarão de novo atentos às paixões mais atávicas, aquelas que foram passadas de geração a geração.
Nomes que hoje ainda ecoam em nossas cabeças como fundamentais para um evento do tamanho de uma copa do mundo deixarão de frequentar nosso cotidiano e darão lugar a personagens muito mais modestos, mas que serão alçados à condição de protagonistas da realidade.
Que bom que é assim. Que bom que conseguimos ajustar o nosso olhar para o quilate do que se faz fora de uma Copa do Mundo, porque essa é a realidade, e não a viagem onírica que vemos brilhar a cada quatro anos, e que dessa vez surgiu como um diamante gigante encravado no meio do deserto.
Veremos daqui a pouco o Campeonato Estadual, a Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro, a Libertadores... E vamos ajustando a régua para desfrutar, em cada um desses momentos, aquilo que ele tem para oferecer.