Bob Faria: 'Cruzeiro e a ansiedade natural de quem está quase lá' (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress)


Paciência é um exercício de virtude. Talvez a mais ancestral necessidade que ainda conservamos dos nossos antepassados, habitantes de cavernas. Sem paciência não haveria caça, não haveria comida e por consequência não haveria humanos. 




Sem paciência não teríamos desenvolvido habilidades de cultura de subsistência, ou senso de comunidade. Sem paciência não teríamos atingido uma fração dos avanços tecnológicos que nos fizeram entrar no século XX em carroças e cavalos e sair dele enviando naves ao espaço e explorando solos extraterrestres. Tudo demanda paciência, porque nenhum processo, por mais revolucionário que se proponha, acontece da noite para o dia.

Quando eu era pequeno, bem pequeno mesmo, antes do Natal se tornar uma coisa meio sem graça na minha casa, por razões que não fazem sentido agora eu explicar, eu costumava esperar essa data com a angústia típica das crianças pequenas. Contava semanas, dias, horas, minutos para que o Papai Noel finalmente depositasse em algum canto (não havia árvore de Natal lá em casa) o meu objeto de desejo daquele ano. E com a mesma impaciência infantil, arrancava o brinquedo do embrulho e punha-me a testá-lo. Invariavelmente, depois de alguns dias de uso, digamos, regular, o brinquedo começava a ser devidamente explorado, desparafusado, desmontado e se transformava num amontoado de peças, porque o grande barato dos brinquedos, para mim, era descobrir como eles funcionavam! Às vezes conseguia montá-los de novo. Às vezes sobravam peças que na minha engenharia reversa mostravam-se inúteis. E às vezes, saciado meu desejo de respostas para como a traquitana fazia o que fazia, tornava-se um monte de sucata. 

Mas eu aprendia muito fazendo aquilo e meus pais nunca se opuseram. Recriar também é um exercício de virtude. E sempre havia caixas vazias que se transformavam em carrinhos, barcos, robôs e outras coisas tão divertidas, ou mais, que o seu antigo conteúdo.




Pois bem, o tempo foi passando e fui compreendendo que ter paciência é, como já disse, uma virtude que nos trouxe como espécie, ao estágio em que estamos. Não que tenha sido uma caminhada fácil, ou que estejamos sequer perto de uma civilização pacificada e igualitária. Mas cada vez mais ficamos cientes de que aprender a esperar pode ser muito mais útil do que aprender a saciar cada desejo com uma intempérie de atos. E frequentemente, o esperar é tão emocionante quanto o ter.

Deve ser por isso que dizem que é preciso apreciar o caminho, porque a jornada pode ser muito tão interessante quanto o destino. Deve ser por isso, sei lá.
Sei que mais uma vez, o futebol nos traz um exemplo prático dessas reflexões. Vejo na torcida e no time do Cruzeiro (e é claro que é um generalismo, porque não dá para olhar em cada um dos milhões de indivíduos) essa ansiedade natural de quem está quase lá. De quem sabe que vai ganhar o presente, mas ainda não ganhou. Que quer desfrutar do alívio de ter conseguido o objetivo, mas ainda não pode chamá-lo de seu.




É um sentimento natural, atávico, ancestral, como já disse. O exercício da paciência. Desde que éramos caçadores e precisávamos espreitar a presa para alimentar o grupo, até a busca pela fórmula do remédio que salvará milhões de vidas, ou a resposta para a pergunta fundamental - "de onde viemos e para onde vamos?" - desde sempre, quando estamos perto do nosso objetivo, mas não o suficiente para tê-lo alcançado, a saber esperar é sempre será a maior das virtudes.

O curioso dessa história de paciência é que, quanto mais tempo a gente tem disponível, quando somos crianças e jovens, menos a conhecemos. Só vamos exercer o dom mesmo, quando já nos resta pouco a caminhar sobre este planeta. Paradoxos da raça humana.