Na reta final da Superliga do ano passado, Bernardinho telefonou para Leal e fez uma única pergunta: o ponteiro cubano, que meses antes havia entrado com pedido de naturalização, teria interesse em defender a Seleção Brasileira? O jogador do Cruzeiro não titubeou: “Sim”, com a rapidez e consistência de uma cortada. Afinal, era a senha para a realização de um sonho – disputar os Jogos Olímpicos –, por que o atleta ansiava desde criança, quando começou a treinar nas pistas de atletismo da Escola de Iniciação Desportiva Escolar de Havana, onde aos 12 anos trocou a corrida pelo vôlei.
Aos 27, vivendo em Belo Horizonte desde 2010, Yoandy Leal Hidalgo é brasileiro desde o fim do ano passado. O processo de naturalização, que durou um ano e meio, foi aceito pelo governo e publicado no Diário Oficial da União. O último documento que lhe faltava, o passaporte, foi retirado em 1º de março. Agora, a cinco meses da Olimpíada do Rio, Leal inicia nova corrida: aguarda a troca de federação de origem – processo em curso na Confederação Brasileira – e torce por uma mudança na regra da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), que exige prazo de dois anos para que um atleta defenda o novo país. Um congresso da entidade, que deve ocorrer no início de maio, tem o caso de Leal e do compatriota Wilfredo León (naturalizado polonês) na pauta de discussão. As chances são pequenas, mas o cruzeirense sonha.
“Estou na minha melhor forma e sei que posso ajudar”, garantiu o ponteiro na quinta-feira, antes do treino do Cruzeiro, que enfrentará o São José dos Campos quarta-feira, em Contagem, pela primeira rodada das quartas de final da Superliga. Leal e os companheiros vão em busca do sexto título em seis campeonatos na temporada. Em entrevista ao Estado de Minas, ele falou sobre as chances de disputar a Olimpíada, as críticas e o apoio que recebeu ao optar pela naturalização, a relação com Bernardinho e o receio de não ser bem aceito por alguns jogadores brasileiros. “Se puder ajudá-los, não têm com o que se preocupar. Não quero tirar o posto de ninguém. Quero fazer parte da família”.
NATURALIZAÇÃO
Quando eu estava com a Seleção (de Cuba), a gente brigou muito para chegar à Olimpíada de Pequim’2008. Perdemos o Pré-Olímpico para a Alemanha e não nos classificamos. Em 2010, deixei Cuba com o sonho de disputar uma Olimpíada. Há um ano e meio, falei com meu agente para ver quais as possibilidades (de naturalização). O professor Bernardinho gostou da ideia no início. Então, começamos a fazer o processo, que durou um ano e meio quase. Saiu agora e estou com todos os meus documentos. Agora, é só aguardar pela FIVB, se poderei jogar ou se terei de esperar dois anos.
MELHOR FASE
Em 2010, quando deixei a Seleção de Cuba, estava muito bem, me sentia forte, com 23 anos. Fiquei dois anos parado. Para um jogador, é muito difícil, mas o Cruzeiro faz com que você melhore a cada dia. Hoje, com 27, estou na máxima forma, não me machuco com facilidade.
CHANCES NA SELEÇÃO
Você conhece seu corpo. E sei que, se jogar esta Olimpíada, terei bom resultado. Estou no topo da minha carreira, me sinto bem e vejo que posso ser campeão. Tenho uma grande chance. Estamos fazendo de tudo, esperando e rezando, porque tenho de rezar para que eles aceitem e mudem a regra.
TRÂMITES
Os documentos estão prontos e já iniciamos a homologação na Federação. Terá uma reunião (na FIVB), que tem de ser um mês antes da Liga Mundial, em abril. Vão falar especificamente do meu caso, do León (naturalizado polonês). Está nas mãos deles, que decidem se querem. Tem possibilidade, tem muita possibilidade (de jogar no Rio). Estou há seis anos aqui, quatro anos jogando fora de Cuba.
BERNARDINHO
Meu agente conversou com ele na época. Depois, há algum tempo, ele me ligou e fez uma pergunta: se queria mesmo jogar pela Seleção. Falei que sim. Faz muito tempo, foi no fim da temporada passada. Agora, não tivemos conversa, ele está envolvido com seu time, o Rio de Janeiro, mas sei que está atento a tudo o que está acontecendo. Sei que ele gostaria e brigaria para que eu pudesse jogar.
RECEPÇÃO DA TORCIDA E JOGADORES
Na realidade, não estou preocupado com os torcedores. Sei que 90% querem (que eu jogue pelo Brasil). A gente viaja por todo o Brasil e sinto. Estou preocupado com os jogadores, como eles vão me aceitar, por causa da rivalidade. Estaria tirando um posto de uma pessoa que faz tempo que está lá. Mas deixo um aviso a eles: eu, como jogador, estou fazendo o meu trabalho. Para eles, também é um sonho (ser campeão olímpico). E, se puder ajudá-los, não têm com o que se preocupar. Não quero tirar o posto de ninguém. Quero conviver com eles como uma família, não quero ter inimigo nenhum. Não se preocupem comigo.
CONVERSA COM ATLETAS
Não tive essa conversa (com outros ponteiros sobre a naturalização), pois é chata. Mas já falei com outros jogadores, como Lucão (meio de rede do Modena), Serginho (líbero do Sesi), e eles aceitam, apoiam 100% essa situação. Meus companheiros de time também. Com os ponteiros, é um pouco chato.
APOIO FAMILIAR
Minha família me apoiou 100%, porque é uma decisão forte. É uma decisão que você tem de tomar para toda a vida. Já tomei a decisão de sair de Cuba, que não pensava que aconteceria. São decisões que você vai atravessando pela vida. Tem muita gente que não aceita isso em Cuba, mas é uma decisão minha, que quis fazer, e ninguém pode tirar.
FUTURO
Gosto de morar em Belo Horizonte, estou adaptado. Estamos conversando para ver se jogo por uma temporada mais. Meu contrato vai até o fim de abril. Se renovar, ficaria aqui. Se não, vamos buscar uma alternativa. Sempre quis jogar Champions (Europeu de clubes), que todo jogador quer jogar. Mas quero ficar aqui. O Cruzeiro me acolheu muito bem. Sou muito grato por isso.
RIO 2016
'Sei que posso ajudar'
Congresso da Federação Internacional de Voleibol, provavelmente em abril, decidirá se o cubano Leal, naturalizado brasileiro, poderá defender o novo país na Olimpíada do Rio
postado em 13/03/2016 11:00
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