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ENTREVISTA

Risco de queda, preconceito e dilemas: Deivid abre o jogo sobre início de carreira como técnico

Aos 36 anos, treinador do Cruzeiro sente que juventude é principal causa de críticas ao seu trabalho e admite que precisou mudar esquema de jogo para preservar cargo

postado em 20/03/2016 10:30 / atualizado em 20/03/2016 08:00

Leandro Couri/EM/D.A Press

Em 10 de dezembro, Deivid foi apresentado pelo Cruzeiro como a aposta da diretoria para substituir Mano Menezes, que havia aceitado proposta do Shandong Luneng, da China. Pouco mais de três meses depois, o antigo auxiliar-técnico conduz a equipe na liderança do Campeonato Mineiro, mas ainda convive com cobrança da torcida pelas vitórias com “placares magros” e futebol pouco convincente. Em entrevista ao Superesportes e ao Estado de Minas, Deivid admitiu que precisou rever a forma como gostaria de jogar e, assim, amenizar a pressão por resultados. “Fiquei pensativo, várias noites em claro, pensando no que iria fazer, se era melhor dar um passo para trás. E isso deu certo”, disse. Aos 36 anos, o treinador avalia que é cobrado por sua juventude, não por sua capacidade. “Só os resultados que vão dizer. Eu respeito todos. Não sou dono da verdade. Mas gosto que falem em cima do meu trabalho, se entendo ou não tática, se mexo errado. Falar da minha juventude, acho um pouco deselegante”, acrescentou.

Neste domingo, às 16h, Deivid comandará o Cruzeiro diante do Villa Nova, no Mineirão. Se não for derrotado, o time celeste manterá a liderança e a defenderá em clássico contra o Atlético, na próxima semana. Próximo de sua estreia como treinador no principal duelo do futebol mineiro, Deivid ressaltou o impacto de que este resultado terá na continuidade de seu trabalho. “Clássico é um campeonato à parte. É um jogo diferente, que tem de ir para ganhar. Quem perder levará pressão”, observou.

Com a equipe eliminada precocemente na Primeira Liga, Deivid tem no Campeonato Mineiro a chance de levantar sua primeira taça como treinador. Para a disputa do Brasileirão, ele alertou a necessidade de o Cruzeiro se reforçar. “Para o Campeonato Mineiro, o elenco é muito forte. Para Brasileiro, a gente precisa de jogadores acostumados a decisões, jogadores mais tarimbados. Qualidade técnica, nós temos. A gente precisa de um cara que venha com peso”, analisou.

Deivid ainda identificou qual a principal dificuldade em ser treinador e revelou a intenção de comandar três clubes europeus. Abaixo, assista e leia a entrevista do técnico do Cruzeiro.



Você foi apresentado como novo treinador do Cruzeiro há três meses. O que mudou desde então?

“Mudou muita coisa. Eu agora sou comandante. Naquela época, estava deixando de ser auxiliar para comandar. Quando você é comandante, um líder, tem de tomar decisões. Coloquei muito bem para os atletas que o meu compromisso com eles era ser coerente e justo, saber respeitar o momento de cada um. Quem estivesse melhor teria oportunidade. Sempre falei a eles que todos vão jogar, uns mais e outros menos. Eles (os que jogarem menos) têm de provar pra mim que estou errado, para terem oportunidade de jogar. Mudou muito, o dia a dia, as críticas. Tinha um tempo que não era criticado. Jogo futebol desde os 9 anos. Como profissional, desde os 16. E crítica sempre corre junto. Se não quisesse ser criticado, tinha de mudar de profissão ou continuar como auxiliar”

O que mudou em sua visão como treinador?

“Meu conceito não mudou. Mudou o meu estilo de jogo. Gosto de jogar no 4-2-3-1. Para você jogar no 4-2-3-1, você tem de ter três, e mais o atacante, especialistas para aquelas posições, senão você fica vulnerável. Isso aconteceu contra o Criciúma (na estreia na Primeira Liga). Se os jogadores de frente não voltam, fico no 4-2-4. Até pegar esse padrão, demora um pouco. Como não temos tempo no Brasil, você tem de achar um esquema que te proteja”

Foi isso que te fez mudar a forma de jogar da equipe?

“Jogo no 4-3-3 e volto (para a marcação) no 4-4-2. Quando eu coloquei o time para jogar assim contra a Ponte Preta, e deu liga, o Mano manteve essa base, foi quando conseguimos dar arrancadas de 13 vitórias. Fiquei pensativo, várias noites em claro, pensando no que iria fazer, se era melhor dar um passo para trás. E isso deu certo. Mas, para voltar a ter o esquema do ano passado, a peça que você colocar tem de fazer o vai e vem. Coloquei o Arrascaeta de meia, pelo lado esquerdo, mas ele funciona bem como atacante. Comecei a ver vídeos de Sánchez, Romero e Arrascaeta, para encontrar a melhor solução para encaixá-los nesse esquema. Quando optei de colocar o Sánchez na lateral-esquerda, tinha visto jogos dele em Boca e Estudiantes. E tinha visto jogos do Romero no Vélez. Romero jogava mais de primeiro (volante), mas também jogou de segundo”

Você recebeu oito jogadores contratados, sendo quatro estrangeiros. Hoje, você avalia que já os conhece bem, sabe o que cada um é capaz de fazer?


“Hoje, sim. Quando estava trabalhando como auxiliar e me mandavam ver jogos, ver o mercado de jogadores, os que estavam no planejamento de trazer para cá, eu sempre dizia que não gostava de vídeo, mas de jogo. O Bordeaux, quando foi me contratar, me via desde o Santos, passando por Corinthians e Cruzeiro. Tenho de contratar um jogador que encaixe na filosofia do treinador. Na época, eu falava que não adianta trazer jogador que acho importante para mim. Dizia 'me paga passagem, vou ver o jogo, faço todo relatório para o treinador, e ele tomará a decisão'. O risco é minimizado um pouco, do que ver só pelo vídeo. Uma coisa é ver pelo vídeo, outra é no olho. Aí você (treinador) me coloca na posição, mas eu (jogador) não rendo ali. O Pisano jogava do lado direito e no meio. Quando ele chegou, perguntei onde ele gostava de jogar, se na direita ou no meio, porque tinha visto mais de 10 jogos dele (no Independiente). Gosto de bater esse papo, gosto de sentir do jogador onde ele se sente melhor. Os treinadores me falavam o que fazer, mas eu que jogava em campo, eu tinha encontrar o buraco para eu jogar. Às vezes, o treinador pedia para eu ficar aqui, mas não conseguia jogar, achar o espaço. Converso muito com eles, os estrangeiros que chegaram agora, para ter esse feeling de entender onde eles gostam de atuar. Isso está sendo muito importante”

Como foi o processo de contratações para essa temporada? Você indicou jogadores que foram contratados?

“As contratações foram em conjunto. O Thiago (Scuro, diretor de futebol) me passava os nomes. Eu ficava vendo desde que era auxiliar. Eu falava se esse jogador é importante para o esquema que jogamos. Agora, tem de dar tempo, porque há a adaptação. O jogador vem de outros país. Tive essa dificuldade, você sai do seu convívio de amizade, familiar... Você tem de ter cuidado, porque eles podem se adaptar rápido, mas também podem demorar. Quando vem para um clube como o Cruzeiro, é preciso ter cuidado, senão você acaba queimando”

Teve algum jogador que você indicou, pediu para trazer?

“Teve, até porque fico vendo. Na análise de desempenho, a gente vê mais de 150 jogadores. Tem jogadores que o clube não pode gastar, porque são caros. Outros vêm mais baratos. Temos conversado muito, eu, Thiago e Bruno, sobre jogadores que a gente monitora”

Quem você indicou?

“A maioria. Pisano, Sánchez, Romero. O Gino, a gente viu no começo, quando o Vanderlei (Luxemburgo) ainda estava aqui. Temos acompanhado”

No planejamento para 2016, ainda com Mano Menezes, você participou das definições sobre o elenco? Numa dessa reuniões, ficou decidido que o lateral-direito Ceará não teria o contrato renovado. Você participou dessa decisão?

“Não participei. Eu era auxiliar da casa. Não tinha essa autonomia. Só participei da reunião para fazer planejamento de treinamentos. De escolha de jogar, não”



Com o elenco atual do Cruzeiro, quais são as perspectivas para o restante da temporada? Quais são os objetos deste Cruzeiro, sendo muito realista?

“Sempre falo que quando você trabalha num grande clube, como Cruzeiro, Flamengo, Corinthians, você trabalha com pensamento de ganhar títulos. A gente sabe que para ganhar o Campeonato Brasileiro, você precisa de grupo e jogadores de alto nível. Como jogador, cheguei em três finais de Brasileiro, ganhei duas e perdi uma. Posso dizer como atleta: se você não tiver banco qualificado, você não ganha. Isso é 100%. As peças de reposição têm de ser muito importantes. Senão, você começa a perder força. Você tem de ter grupo forte. A gente sabe que para disputar Estadual, o elenco é forte. Para Brasileiro, também é forte, mas precisa de mais jogadores, que cheguem, incorporem, estejam acostumados a vencer. Estamos acompanhando o mercado para trazer peças que tenham peso e possam entrar na filosofia do clube”

Então será necessário que o Cruzeiro se reforce para o Campeonato Brasileiro?

“Para o Campeonato Mineiro, o elenco é muito forte. Para Brasileiro, a gente precisa de jogadores acostumados a decisões, jogadores mais tarimbados. Temos um grupo muito forte, promissor. Mas, Brasileiro tem jogos quarta e domingo e clássicos. É muito difícil. Você tem de ter concentração, personalidade, chamar para você. Você tem de ter um grupo forte”

No que você precisa de reforços, é uma questão de perfil ou qualidade técnica?

“Qualidade técnica, nós temos. A gente precisa de um cara que venha com peso. Foi campeão da Libertadores, Brasileiro. Colocar um e ver dois. Em 2003, o Alex era capitão que você via em campo e pensava: 'o que é isso?' Era bem diferente. Outro dia, vi uma reportagem e o colega de vocês falava que eu nunca fui capitão. Mas são vários líderes. Eu era líder de cobrar, pôr dedo na cara. Mas isso não é vazado. Vestiário, muita gente quer entender, mas é diferente. Digo que vestiário é escritório dos jogadores. São muitas coisas que ninguém sabe que acontece. Tem o líder que é capitão, tem o líder que cobra, pega diretor, pega presidente... Isso ajuda no processo. Joguei num clube que o capitão deu na cara do outro. Ninguém falava com o outro, mas bati campeão. São épocas diferentes. O futebol está muito mudado”

O Cruzeiro tem jogadores com esse perfil?


“O vestiário nosso é muito bom, tem cobrança muito forte, cheio de jogadores campeões, como Fábio, Manoel, Dedé, Bigode, Henrique... A gente tenta mesclar juventude e experiência, para chegar bem no fim do ano”

Vocês já mapearam quais serão os reforços necessários para o Brasileiro? Recentemente, Thiago Scuro abordou a necessidade de reforçar a lateral esquerda. É uma posição em que será necessário ter reforços?

“A gente está mapeando, para que possa trazer jogadores pontuais para aquela posição. Na lateral esquerda, temos dois jogadores de alto nível. Hoje, o momento do Sánchez é melhor do que Fabrício. Mas, não quer dizer que o Fabrício não possa jogar amanhã”

Nós sabemos que o Cruzeiro entrou em contato com Maxwell. Seria uma boa alternativa?

“É um jogador de nível altíssimo, nível europeu, está jogando Champions, está nas quartas de final. É de Seleção Brasileira. Os valores são muito altos. Muitos times do Brasil querem o Maxwell. Temos de trazer jogadores que se enquadrem na filosofia financeira do clube”

No período em que você sofreu com muitas críticas, houve especulação sobre a procura da diretoria por um novo treinador. Você ficou preocupado? Como você reagiu?

“Quando se fala de pressão, eu não me sentia pressionado, porque convivi com isso quando era atleta. Joguei no Corinthians, no Flamengo, no Santos e no Cruzeiro. São cobranças diariamente. Se empatar, já é cobrança. Não vejo como pressão, mas como cobrança de empresa muito grande, que quer resultado imediato, até pelo fato de ter conquistado Brasileiros nos últimos anos. Pelo o fato de o rival ter trazido Robinho, Clayton, se cria a expectativa de o Cruzeiro também trazer uma estrela. Isso não me deixou preocupado. O mais importante é o vestiário para mim. O dia que não quiserem que eu seja treinador, aí não tem como. O dia que não estiverem satisfeitos com meu treinamento, com meu esuqema tático, meu jeito de comandar, minha maneira de ser... Para mim, é o que vale. Sei que as coisas vão se encaixar gradativamente. Não adianta começar o ano voando e depois fazer isso aqui (faz o gesto de queda)... As coisas em 2003 não se encaixaram de uma hora para outra. Joguei em vários times campeões que não foram feitos de uma hora para outra. As coisas não se encaixam da forma como a gente quer logo. Vieram jogadores estrangeiros para nosso clube. Até eles se encaixarem, pegarem a forma de jogar no Brasil, é complicado. Quando fiquei noites em claro, foi para fazer time o dar certo. Pensava o que está dando errado. Fiquei noites e noites acordado, pensando, vendo jogo atrás de jogo, até encaixar o jeito melhor para a gente”

Quando surgiram especulações sobre mudança de comando, você conversou com a diretoria?

“Não conversei com o presidente. Minha conversa é diária com Thiago (Scuro, diretor de futebol) e Bruno (Vicintin, vice-presidente de futebol). Eles me garantiram, disseram: ‘Não conversamos com ninguém’. Mas sei que vivo de resultado. Posso ter sido ídolo do clube, mas se perder quatro, cinco partidas, não tem como. A gente vive de resultado. A gente vive de vitória, de conquista. Quando há vitória, o clube ganha sócios, vende camisa. O que vende camisa, ganha sócios e enche estádio é time bom. Quando está perdendo, não tem como segurar. Isso é fato. Isso me preocupa”

Houve precipitação do presidente quando cobrou a definição de uma formação para a equipe no início desta temporada?

“Quando você muda muito, você demora um pouco, porque é uma filosofia diferente, um esquema diferente. Em 2013 e 2014, o Cruzeiro foi bicampeão brasileiro com dois volantes. Coloquei três volantes contra a Ponte Preta (no Brasileirão de 2015, após a demissão de Vanderlei Luxemburgo) para segurar resultado. O empate seria bom, porque tínhamos um jogo em casa contra o Figueirense na sequência. E o time encaixou com três volantes, foi embora até o fim do campeonato. Tentei resgatar o que o Cruzeiro fez em 2013 e 2014. E não deu certo. Os jogadores que estão aqui não são os mesmos. São filosofias e jeito de jogar diferentes. Tenho de me adequar no que eles estão acostumados. Não adianta querer jogar de uma maneira que jogadores não conseguem render. Tenho de encontrar um jeito e um esquema para que o time jogue”

Poucos times no Brasil conseguiram ser contundentes no Brasil até este momento. A pré-temporada no Brasil é curta ou as pessoas deveriam entender que esses primeiros meses são para ajustes?

“Concordo que a pré-temporada melhorou muito. Hoje é um mês, mas ainda é pouco. O Santos foi jogar contra Barcelona, e o Barcelona estava na pré-temporada e o Santos aqui. Lá é uma semana de treinos e outra de torneios. Em sete anos fora, fiz torneios na Holanda, em Frankfurt, na Croácia... Você faz uma semana de treinamentos, depois uma de torneios. Você faz torneios atrás de torneios. Quando começam as competições, você já está bem fisicamente e tecnicamente. Aqui, você tem de achar o time no meio da competição e acaba tendo dificuldade. Olhem o Bauza no São Paulo. O Bauza foi campeão ( da Copa Libertadores) na LDU e no San Lorenzo, mas está tendo dificuldade. Ele chegou em janeiro, com tempo curto e tem de encaixar o time. Ele não consegue colocar os conceitos dele. Ele não consegue passar o conteúdo. Para mim, foi mais fácil, porque já era auxiliar. Já conhecia os jogadores. E para o cara que chega de fora? É muito difícil. Há diferenças de conceitos entre os clubes, como Cruzeiro e Grêmio. No Grêmio, se não der dois carrinhos, não é jogador. Não adianta colocar esse conceito aqui. Temos de pensar nisso”



Até que o ponto o desempenho do Atlético, as contratações feitas pelo rival e o fato de estar na disputa da Copa Libertadores geram pressão sobre o Cruzeiro?

“Aqui dentro não. Aqui dentro, a gente está concentrado, pensando e vendo futebol de modo geral. Estamos olhando Corinthians, Flamengo, São Paulo, Grêmio, para chegar ao Brasileiro no mesmo nível. O Atlético teve de investir, porque está na Libertadores, entrou uma receita. A pressão é a comparação entre as torcidas. O Atlético contratou Robinho e Clayton, e o Cruzeiro não tem ninguém? Se ganha campeonato com grupo, não com um jogador. O grupo que estamos montando é em cima do nosso orçamento. Não adianta querer trazer três, quatro jogadores caros e ficar endividado. O Cruzeiro nunca atrasou salário. Se estivéssemos na Libertadores, seria outra receita. Aí você teria de ir ao mercado investir”

No próximo domingo, o Cruzeiro enfrentará o Atlético no Independência. Este clássico tem um peso diferente para a continuidade de seu trabalho?

“Lembro que, em 2002, jogando pelo Corinthians no Campeonato Brasileiro, fiz quatro gols no Atlético. Em 2003, vim para o Cruzeiro. Os Perrellas seguraram a minha estreia, esperaram até o último minuto para eu estrear justamente no clássico contra o Atlético. Isso é para você ver até onde vai rivalidade. Clássico é um campeonato à parte. É um jogo diferente, que tem de ir para ganhar. Quem perder levará pressão. Cruzeiro e Atlético, Grêmio e Internacional, Corinthians e Santos, São Paulo e Palmeiras, Inter e Grêmio são clássicos diferentes. Quem perde, fica com pressão. Quem ganha, fica com liberdade para trabalhar”

O clássico será um divisor de águas para você como treinador?

“Meu trabalho é de médio e curto prazo. Você tem de ter tranquilidade para trabalhar. O mais importante é eu estar convicto do que estou fazendo. Meus treinamentos, os jogadores têm gostado. São treinos modernos, com coisas que aprendi lá fora, com coisas que peguei daqui, do Brasil. Quando me preparei para ser treinador, sabia que isso ia acontecer, que ia viver de resultado. Aqui não tem tempo se você não ganhar. Você tem de ganhar quarta e domingo. A gente tem sempre de estar provando, para ter estabilidade”

No clássico, o Cruzeiro não terá De Arrascaeta e Alisson. Como você planeja lidar com esses desfalques?

“Penso primeiro no Villa (neste domingo), que é um jogo difícil. Mas não vou mentir que clássico já mexe, só de falar e pensar. Temos de achar a melhor solução, o melhor esquema, para surpreender”



Você acha que as pessoas teriam mais paciência com outro treinador do que têm com você, que está começando. Você tem pressão maior?

“Não vejo isso como injusto. Uma hora, eu tinha de começar. O mais importante é estar preparado. Poderia usar meu nome como jogador e começar em um clube. Eu queria estudar, me preparar, fazer estágio, para passar aos atletas o que estudei, o que acho dos esquemas. Quando era jogador, o treinador me explicava, mas nunca soube o que é um 4-3-3, onde as peças se movimentam, onde se encaixam. Eu treinava, pegava minhas coisas e ia embora. Hoje chego 8h da manhã e vou embora 8h da noite. Assisto a vídeos, vejo jogos, leio e estudo. São 1100 exercícios, 1100 táticas. Meus amigos me mandam vídeos de fora. Tenho de estudar. Sempre estou me preparando, para sempre ter coisas novas. Você tem de evoluir sempre, ver coisas novas. Vejo isso de forma natural, um cara de 36 anos virar treinador de clube tão grande como Cruzeiro... Vejo que as críticas foram pela minha juventude, não pela minha capacidade. Só os resultados que vão dizer. Eu respeito todos. Não sou dono da verdade. Mas gosto que falem em cima do meu trabalho, se entendo ou não tática, se mexo errado. Falar da minha juventude, acho um pouco deselegante. Cara é experiente porque dirigiu um clube grande com 53 anos? Tem de ir mais a fundo. Respeito vocês que estão aqui no dia a dia. O cara fez treino de merda, não sabe treinar, não sabe mexer, mas não respeito se o cara não conhece meu trabalho. Isso me incomoda um pouco”

Quando não está trabalhando, quais times você gosta de assistir? Qual estilo de jogo que gosta?

“Hoje me dá prazer ver o Bayern jogar, gosto do Guardiola e das variações táticas dele. Gosto muito da forma como ele joga, com bola no chão, sem dar chutão, rodando a bola de um lado para o outro. Isso me encanta”

Por que você se espelhou no técnico espanhol Luis Aragonés, com quem trabalhou no Fenerbahçe?


“Aragonés foi um mestre para mim. Eu já tinha em mente ser treinador, mas ele despertou a maneira de jogar futebol para mim. Trabalhei com ele no momento mais difícil da minha vida, quando quebrei a perna no dia 7 e perdi minha mãe no dia 13. Não pude vir para Brasil, porque poderia sofrer uma trombose. Ele me abraçou, me falou coisas bonitas. Como não podia jogar, ele começou a me pegar e me colocar dentro do processo dele, de como elaborava treinamentos e como executava. Aquilo foi me encantando. Via coisas simples, de movimentação, por que dois pontos, por que usar o falso 9, por que um tripé. Ele me encantou muito. Foi uma cara que me despertou por isso”

Você pensa em treinar equipes europeias?

“Penso em treinar os três times que joguei lá fora, Bordeaux, Sporting e Fenerbahçe. Falo um pouco de francês. Mas falo mais turco do que francês”

Como foi jogar em quatro países europeus?

“Nunca me imaginei saindo do Rio de Janeiro. Queria só jogar bola, brincar. As coisas foram indo, indo, e, de repente, fui parar em Joinville. Depois, fui para Santos. Em coisas de seis meses, fiz minha estreia contra o Cruzeiro e fiz dois gols. Foi o Paulo Autuori que me deu a primeira oportunidade no Santos. No Joinville, quem me puxou foi o Bonamigo. Depois, (fui treinado por) Carlos Alberto Silva, Geninho, Giba, Vanderlei, Leão... Fui muito além do que imaginava. Depois, fui para o Corinthians. E depois, para Cruzeiro e Bordeaux. Foi uma experiência única. Lembro que o (atacante português) Pauleta tinha sido quatro vezes artilheiro do Campeonato Francês pelo Bordeuax e foi vendido para o PSG. Fui para o Bordeaux para substituí-lo. O presidente falou que não me cobraria primeiro ano, apenas no segundo, quando estivesse adaptado. Isso me deu tranquilidade, mas tive problema com minha filha. Cheguei em agosto, no fim do verão. Minha esposa foi ter minha filha mais velha em outubro. Queria ir só em janeiro, mas disseram que eu tinha de ir em agosto. Minha filha se engasgou com leite com 15 dias, teve refluxo. Isso atrapalhou um pouco. Depois, houve mudança de treinador, e o que tinha me levado foi mandado embora. Também mudou direção. Em maio, voltei para o Santos e consegui ser campeão brasileiro. Depois, fui vendido para Sporting. E depois de um ano, fui vendido para o Fenerbahçe. Quando tive o convite do Fenerbahçe e o Alex me disse que queriam me contratar, pensei: o que vou fazer na Turquia? Nunca imaginava Istambul daquela maneira. Cheguei lá e pensei: isso é um paraíso. É uma cidade maravilhosa. Penso em um dia voltar para lá”

Como foi a experiência? Teve episódios curiosos?

“Saí de Marechal Hermes, mal falava português. Cortava 's' pra caramba. Cheguei na França e aprendi francês em seis meses. Primeiro, você aprende os palavrões. Isso é rápido, em três dias. Depois, você vai aprendendo. Eu tinha professora em casa. Foi muito legal. Na França, foi comigo meu empresário, que era do Rio. A gente estava no centro de Bordeaux, e ele me perguntou o que queria comer. Na França, não gostam de falar inglês. Ele me perguntou o que queria, disse que queria frango. Tentei simplificar. Ele assobiou e o garçom nem olhava. Explicaram que você tem de sentar e esperar. Ele falou 'quero frango', o garçom não entendeu e ele fez assim (bateu asas). Foram coisas que ficaram marcadas”

Quais foram os melhores jogadores com quem atuou?

“Aqui no Brasil, joguei com vários que imaginava jogar junto. Com 9, 10 anos, via Edmundo sendo campeão brasileiro, batendo recorde. De repente, estava jogando do lado dele. Joguei com Edmundo, Rincón, Marcelinho, Ricardinho, Valdir Bigode, Valdo, Robert, Galván, Márcio Santos, que tinha sido campeão mundial de 1994. Joguei com Dodô, Caio, Caíco, Alex, Ronaldinho Gaúcho... Esses caras são fora de série, fora do normal. É muito dom. Você pega Ronaldinho brincando com a bola e fala 'é de outro planeta'. Via Alex, Ricardinho e Marcelinho batendo falta e pensava: por que não consigo bater assim? Meu negócio era só pênalti, porque isso é dom. O Marcelinho, com aquele pezinho de mulher, colocava a bola na gaveta. São jogadores que fico feliz de Deus ter me dado a oportunidade de trabalhar junto”

O Cruzeiro tem algum jogador fora de série? Alguém que você sente prazer de treinar e ver diariamente?

“Gosto de todos. Uns mais e outros menos. Mas cada um tem sua função. Não posso pedir para lateral ter a técnica do meia. Cada um na sua posição tem sua técnica refinada. Isso é o mais importante. Aí você junta e consegue fazer uma equipe”

Você vê algum jogador com potencial de se tornar uma estrela?


“Vejo. O próprio Arrascaeta... Vinha sempre conversando com ele. Disse a ele: talento, você já tem, mas só vai aparecer depois que você for competitivo. Você tem de se preparar para o treinamento. Não adianta se preparar para o jogo, para um dia só. Não venha com essa história de que treino é treino, jogo é jogo. Isso é lenda. Você só vai jogar da mesma forma como se preparar. O cara não dorme e faz três gols. Isso é curto prazo. Você tem de pegar exemplos de Messi e Cristiano Ronaldo, que estão há 10 anos em alto nível. A preparação do dia a dia é mais importante que o jogo. Onde joguei, nunca fui ator, sempre fui coadjuvante. Meu time sempre tinha 'o cara'. No Flamengo, com Ronaldinho. No Cruzeiro, Alex. No Corinthians, Ricardinho e Marcelinho. No Santos, Robinho. A minha inteligência era saber o que tirar de melhor deles. Com minha força, eu ajudava. Com técnica, eles me ajudavam. Lembro como se fosse hoje que, no Coritiba, um jogador falava que o Alex não corria. Falei para tirarmos dele o melhor, o passe e a falta. Só o passe a falta me bastavam. Eu corria por ele. Sempre fiz isso. Por isso que sempre consegui... No Santos, me lembro que a mãe do Robinho tinha acabado de ser sequestrada, e brigávamos para sermos campeões brasileiros com o Atlético-PR. Ele saiu meio-dia do hotel, e o Vanderlei falou ‘hoje é contigo’. Eu estava tão concentrado, que fiz um gol logo no início. Eu era artilheiro, mas sabia que o foco era todo nele. Quando ele saiu, o foco era em mim. A gente fala que tem o ator e o coadjuvante. Quando você percebe quem é, tem tudo para você fazer grande trabalho”

O que é mais difícil em ser treinador? Há dificuldade na relação com a imprensa e as críticas?

“Mais difícil... A imprensa faz o papel dela. Acho uma besteira enorme... Já discutia isso quando era auxiliar do Vanderlei no Flamengo. Tem algo vago de que a imprensa não pode ser amiga de jogador ou treinador. Por que não pode? Cada um faz seu trabalho. Quando saio para jantar com você, vou falar sobre nossa vida. Acho uma besteira que não posso ser amigo do cara da imprensa. A imprensa faz o papel dela. Se janto contigo e falo do dia a dia, você vai querer colocar no jornal, porque você dará notícia privilegiada. Se tenho 50 (jornalistas) aqui, tenho de tratar todos de forma igual. O mais difícil não é dar treino. Eu fiz isso a vida toda. O mais difícil é ganhar o vestiário. Isso é 70% para ter sucesso. Se não ganhar vestiário, você não tem sucesso. Já participei de grupo que treinador colocava treino de manhã, os caras chegavam e apagavam o quadro. Mas eles se garantiam em campo. O mais difícil é entender como é cada um deles (jogadores). São jogadores com mentalidades diferentes, que têm vaidade. E isso é em qualquer lugar”

Qual recado você daria ao torcedor do Cruzeiro?

“Só peço que o torcedor corra junto com a gente. O torcedor tem de correr junto, porque é um objetivo de uma coisa só. Se o torcedor for contra, ele vai refletir aqui. Se apoiar e for junto com a equipe, é muito importante, porque passa segurança para os jogadores em campo. Uma coisa é jogar com segurança. Quando o torcedor vem junto, fica muito mais fácil ganhar. As críticas e vaias têm de acontecer quando perder. O torcedor vai lá e quer ver o time ganhar. O torcedor é muito importante para nosso processo”

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