ENTREVISTA
Perrella julga gestão Gilvan, tira sarro do Atlético e admite interceder por Alex
Ex-presidente celeste rompeu silêncio e conversou com exclusividade com Superesportes
postado em 11/10/2012 14:40 / atualizado em 13/10/2012 21:54
Foram exatos 298 dias desde a última entrevista como presidente do Cruzeiro, depois da histórica goleada por 6 a 1 sobre o Atlético, em dezembro do ano passado. O senador da República Zezé Perrella agora se dedica exclusivamente à política. Residente em Brasília, o cartola visita Belo Horizonte praticamente toda semana. Na atual estada na capital mineira, Perrella atendeu à reportagem do Superesportes e, depois de certa resistência – “não falo mais sobre futebol” – rompeu o silêncio e avaliou a gestão Gilvan, confessou que pode interceder pelo retorno de Alex à Toca e não abandonou o estilo irreverente ao alfinetar o rival Atlético. A entrevista completa você acompanha abaixo.
Como você avalia a gestão do seu sucessor Gilvan de Pinho Tavares?
Eu não quero comentar sobre isso. Eu larguei o futebol completamente e não tem como eu falar como torcedor, vão sempre me julgar como alguém que está se metendo, então eu quero me manter afastado e deixar a diretoria trabalhar. Prefiro não falar nada.
Falemos então sobre a sua gestão. É nítido que você entregou o clube sem dinheiro em caixa, fator preponderante para a crise financeira nesta temporada. Por que isso aconteceu?
O que eu sempre fiz a vida inteira foi vender jogadores para que o Cruzeiro não atrasasse salários. Eu sempre vendi. A nova diretoria teve boas propostas pelo Montillo e optaram por segurá-lo. Naquela época, eu defendi o tempo inteiro a venda do Montillo para que não houvesse o atraso de salários. Se tivessem negociado, os atrasos não teriam ocorrido. Não estou criticando, eu respeito o trabalho da diretoria, mas os atrasos de salário este ano ocorreram em função da permanência do Montillo, foi uma opção da diretoria. Disseram que o Montillo seria o carro chefe de um projeto de sócio-torcedor, eu respeito essa opção. Eu nunca vendi jogadores porque achava bonito, eu vendia porque eu tinha que vender para que os atrasos não acontecessem. Dinheiro nunca foi fácil no futebol. Eu tinha um jeito de dirigir vendendo atletas. Vendi o Fred para não atrasar salários, vendi Ramires para não atrasar salários e assim eu tocava o Cruzeiro. Eu respeito a maneira com que cada um toca. Do meu jeito eu nunca atrasei salário, não estou criticando a nova diretoria, mas só aconteceu porque não venderam o Montillo.
Então se você estivesse na presidência a atual temporada teria sido diferente, mesmo com a rejeição da torcida ao seu estilo de administração?
Sempre fui criticado pela torcida por isso, era meu jeito de administrar, cada um tem o seu. Eu respeito a nova diretoria, mas o Cruzeiro está entre os quatro clubes mais estáveis do país por causa da minha política de clube vendedor. Se você levantar a dívida dos 20 clubes da Série A você vai ver que o Cruzeiro ainda está entre os quatro ou cinco com menor dívida do Brasil. O que eu tenho a dizer é isso. Com essa política de vender eu era criticado como mercantilista, mas foi com ela que ganhei 23 títulos e sempre mantive salários em dia. Esses torcedores que me criticavam podem ficar despreocupados que eu jamais vou voltar, minha vida está muito tranquila.
Você diz isso para cutucar seus críticos, mas se houvesse uma oportunidade interessante para voltar a ajudar o Cruzeiro você voltaria a participar da vida do clube?
Não tenho a menor pretensão de voltar, já dei minha cota de contribuição e sacrifício, não volto mais, nem em outro cargo, nem em outra situação, de jeito nenhum. Agora quero ser só torcedor do Cruzeiro e conselheiro. Minha vida está muito tranquila, já me sacrifiquei demais pelo clube.
Nem como parceiro patrocinador em uma eventual contratação de Alex?
Eu não quero participar como investidor e nem acho que meu papel é este no atual momento. Quando eu saí do Cruzeiro, me coloquei à disposição para ajudar, então se a diretoria pensar que eu posso ajudar de alguma maneira conversando com o Alex, ajudando a convencê-lo a vir para o Cruzeiro, negociando de alguma forma, eu estou à disposição para ajudar, tenho relação boa com o Alex. Mas como investidor não, esse papel não me cabe, não quero entrar no clube como investidor para levar qualquer tipo de vantagem. A diretoria está fazendo todo o esforço para trazer o Alex. Estou acompanhando como torcedor, mas se precisar, posso ajudar. É o grande sonho da torcida e o meu também.
Você acredita em um time competitivo em 2013 com esse modelo de gestão da atual diretoria?
Estou torcendo muito para que o Cruzeiro saia desta situação incômoda, eu confio na diretoria, ela está iniciando um trabalho e eu confio. Tenho certeza que esta situação incômoda é transitória, o Cruzeiro vai sair disso. Eles estão começando um trabalho que nós temos que respeitar. Como não estou participando da parte diretiva, eu prefiro ficar como torcedor, acompanhando à distância. Não tenho ido ao estádio exatamente porque não quero interferir. Se eu começar a ir, a minha sombra pode tirar a tranquilidade da diretoria para trabalhar e isso pode atrapalhar. Eu ajudei a eleger esta diretoria e confio nela, temos que ter paciência, pois o projeto de reformulação está só no início.
Muitos disseram, inclusive o novo presidente, que as dificuldades este ano são resultado da sua gestão, que deixou o clube de cofres vazios. Como você avalia essa situação?
Eu queria vender o Montillo no fim da minha gestão, mas deixei o comando nas mãos do Gilvan e ele preferiu não vender. Ele apostou no projeto de sócio-torcedor em cima do Montillo e infelizmente a torcida não correspondeu ao projeto. O torcedor tinha que ter consciência que tinha que contribuir mais. O Gilvan segurou o Montillo em cima de um projeto de sócio-torcedor e que o torcedor deveria ter dado um voto de confiança e o torcedor falhou com ele. Mesmo sem o mando de campo, o torcedor podia fazer uma graça agora. É na dificuldade que o torcedor tem que ajudar, ainda mais que o Gilvan segurou o Montillo por eles. Eu faço a minha parte. Sou sócio do futebol, da modalidade de R$120, igual à do Adílson Batista (risos).
Mas o desmanche do time no último ano da sua gestão também contribuiu para uma temporada difícil em 2012, do ponto de vista técnico. Vários jogadores foram vendidos no meio do ano e o Cruzeiro perdeu a base que tinha...
O Dudu eu não considero porque era reserva, quase não jogava. Se eu não tivesse vendido Thiago Ribeiro, Henrique e Gil, a situação econômica do Cruzeiro seria catastrófica. Sempre vendi para pagar dívida. O Cruzeiro recebe R$ 40 milhões a menos do que Flamengo, São Paulo, Corinthians. Todos os clubes do Brasil que tiveram sucesso até hoje foram clubes vendedores, Internacional, São Paulo... o Corinthians foi o clube que mais vendeu ano passado e foi campeão da Libertadores. Eu sempre vendi, isso nunca foi empecilho técnico.
Mas o rival Atlético, por exemplo, recebe o mesmo que o Cruzeiro de patrocínios e cotas de TV e montou time para disputar o título brasileiro. Por que o Cruzeiro não conseguiu o mesmo?
Aí você tem que perguntar para alguém do Atlético como eles fizeram, só sei que eles têm uma dívida muito maior que o Cruzeiro. Como eles estão fazendo eu não sei, deve haver algum investidor, não sei como eles administram, eu nunca administrei o Atlético. Mas eles também mudaram a política e passaram a ser clube vendedor, venderam o Tardelli, o Diego Souza, talvez por isso passaram a ter sucesso, depois que viraram clube vendedor.
Venderam, mas também investiram para contratar, enquanto o Cruzeiro não colocou dinheiro em suas contratações, não é?
Mas eu também sempre vendi e sempre comprei. No início do ano o São Paulo ofereceu 10 milhões de euros pelo Montillo mais quatro jogadores à escolha e a diretoria não quis vender, fazer o quê? Dava para montar um ótimo time. Não estou criticando, cada um age do jeito que entende, mas eu ganhei 23 títulos sendo o maior vendedor do Brasil. Não estou criticando, cada um tem uma maneira de administrar, o que eu te digo é: se tivesse vendido o Montillo, a situação financeira estava estabilizada. Eu nunca falei que o Cruzeiro era um clube rico, era um clube estável porque era vendedor.
Você acha que depois da experiência negativa de 2012 o Gilvan mudará seu modelo de gestão?
A situação do Montillo eu tenho certeza que foi uma coisa atípica. O Gilvan tinha feito um compromisso com a torcida de não vender. Tenho certeza que se fosse agora aquele negócio, a posição dele seria outra. Ele sabe que clube nenhum suporta ficar sem ter uma receita melhor, principalmente aqui em Minas, ele já aprendeu isso, não dá para sobreviver. Hoje ele tem essa visão. É muita pressão que um presidente do Cruzeiro suporta, tenho maior respeito e entendo o sofrimento do Gilvan, sou absolutamente solidário a ele, porque eu sei o sofrimento que ele está passando, passei por isso 17 anos. Torço demais por ele, tudo o que ele está passando hoje eu já passei. Então eu torço demais por ele.
Essa pressão já se transformou em ameaça alguma vez por parte da torcida?
Ameaça de fato não. A torcida sempre me respeitou, apesar dos protestos e agressões verbais, nunca recebi uma ameaça de verdade. O que me machucou foi no jogo dos 6 a 1, que eu tive que ouvir “Zezé Perrella, vai se f... o meu Cruzeiro não precisa de você” (risos). Aquilo doeu um pouco, foi um dos motivos que me fez acreditar que jamais vou voltar. Sou muito grato à torcida do Cruzeiro, claro, mas aquele grito da torcida aquele dia me fez refletir muito.
Agora como torcedor do Cruzeiro, você teme ainda que o Atlético seja campeão brasileiro?
Não existe risco nenhum de o Atlético ser campeão brasileiro. Já não existia antes, nunca acreditei, embora o time deles estivesse bom. Mas a responsabilidade de ser campeão pesou no segundo turno. Já era. O fato de não ganhar nada há 41 anos pesou demais no segundo turno, eles não suportaram. Deve ser difícil demais não ganhar nada há tanto tempo, é muita pressão.
Mas assistir ao Atlético na Libertadores 2013 e ver o Cruzeiro fora não te incomoda?
Não tenho preocupação nenhuma com eles na Libertadores, eles não estão acostumados, só disputaram quatro vezes na história. Nós já disputamos 13, chegamos a quatro finais, temos camisa, tradição, eles não têm isso. Então não estou preocupado. Para eles já é tão difícil chegar para disputar, imagina ganhar? (Risos).