Veja o caso dos dois bloqueios relativos ao dinheiro da venda de Lucas Pratto, autorizados por juízes de primeira instância. Ao contrário dos juristas de Facebook e das mesas-redondas de futebol – todos certamente formados em direito em Harvard, com ph.D em finanças do Atlético –, da minha parte sou incapaz de cravar se “a conta chegou”, esse jargão que julga e condena um dos lados, apesar de haver bons argumentos na defesa de ambos.
Justiça existe para arbitrar conflitos e buscar reparações. O Atlético deve ao Grêmio a compra de Victor – deve, não nega, paga quando o Grêmio também pagar por Werley, aquele que se tomasse conta de dois jabutis um acabaria fugindo. O Galo não tem culpa de os gaúchos terem aceitado o zagueiro como parte do pagamento, incluindo a participação futura em venda ou empréstimo do jogador – justamente o que o Grêmio nos deve.
Se um vendedor de BMW aceita um Del Rey 83 como parte importante do negócio, o problema é dele. Assinaríamos um contrato e teríamos, ambos, obrigações a cumprir. Não parece, no caso Grêmio x Atlético, que seja possível cravar que “a conta chegou”, imputando ao Galo a pecha de “caloteiro”. O que chegou foi tão somente uma liminar.
O segundo bloqueio determinado por um juiz de primeira instância diz respeito a uma dívida de US$ 7,8 milhões com empresários ligados a uma rede de supermercados. Segundo o noticiário, o valor incluiria multas e percentuais relativos a participações e vendas do atacante Guilherme e do zagueiro Cláudio Caçapa no ano 2000.
Corrigidos os valores, querem agora R$ 65 milhões. Desde 2000, o Galo contesta o montante da dívida. O caso arrasta-se na Justiça, não por culpa do Atlético, mas da conhecida morosidade do nosso Judiciário. Não tem nada a ver com a conta que teria chegado em razão da montagem de elencos desde 2012, obviamente. Mas bota-se tudo no mesmo pacote, por maldade ou ignorância.
Quando Kalil assumiu o Atlético, em 2008, havia cerca de 3 mil cheques do clube voando na praça, sem que se desse notícia de quanto, onde, como, pra quem. Foi preciso um grande esforço só pra entender o tamanho do buraco – até que ficasse clara a situação falimentar em que nos encontrávamos. Grandes prejuízos se impuseram simplesmente porque, lá atrás, alguém tinha deixado de pagar alguma taxa referente às custas de um processo.
Dinheiro curto, trocado, R$ 10, R$ 20 – dane-se, não tem dinheiro na caixinha, eu que não vou colocar do meu bolso.
De lá pra cá, o Atlético renegociou dívidas, aderiu a programas de reestruturação, cortou despesas a ponto de acabar com departamentos inteiros, refez contratos danosos ao clube, atraiu gente honesta e competente para a sua direção. Em menos de 10 anos, quintuplicou sua receita e orçamento, recuperou crédito, concluiu as obras de um dos melhores CTs do mundo, e transformou-se no maior campeão do futebol brasileiro nos últimos cinco anos.
Ainda há, evidentemente, uma dívida “impagável”, embora não supere o patrimônio do clube. Administrá-la significa questionar valores, protelar pagamentos que se julguem indevidos, e até fazer com que a morosidade da Justiça trabalhe a seu favor. Também significa manter um time de altíssimo nível, capaz de ganhar campeonatos e assim atrair interesse crescente, marcas poderosas, dinheiro grande. Este é o jogo. Não dá para compará-lo ao caloteiro que não paga a caderneta no mercado da esquina.
Agora, já que estamos neste campo, o caro leitor por acaso viu a “peça jurídica” montada pelo Crüzeiro no processo contra o presidente do Tricordiano no TJD? Entre outras coisas, o cartola Gustavo Vinagre é “acusado” de ter se referido ao cruzeirense como Maria – “Uma vez Maria”, teria destilado Vinagre, “Maria para sempre”. Hahaha. Não deixe de ler: é uma peça de humor.